Romeu di Sessa é diretor e roteirista de cinema, TV e teatro. Desde dezembro é o novo presidente da ABD – Associação Brasileira de Documentaristas.
Nesta entrevista fala de sua dedicação ao trabalho audiovisual e suas iniciativas para promover o cinema digital.
Patricia Oriolo: Conte nos como começou a sua carreira?
Romeu di Sessa: Difícil dizer quando começou mesmo. Acho que começou quando eu tinha uns 18 anos e assisti na TV “Noite Americana” de Truffaut, que mostra o dia a dia de uma filmagem. Eu olhei pra aquilo e pensei “esses são os problemas que eu quero ter na minha vida…”. Daí fui fotógrafo durante 12 anos, mas descobri que não era lá um grande fotógrafo e comecei a escrever pra vídeos institucionais, o que faço já há uns 15 anos. Depois com o tempo foram acontecendo outras coisas, como a peça que montei, o curta que fiz e os programas de TV que escrevi e dirigi. Mas acho que o começo mesmo foi naquela “noite”, com Truffaut.
Patricia Oriolo: Você ganhou um Kikito com o curta “Átimo”. Conte como foi o processo de criação do roteiro e a realização do filme.
Romeu di Sessa: O filme é razoavelmente baseado numa história que vivi mesmo. No final dos anos 80, eu (como muitas pessoas) tinha planos de sair do Brasil, ir morar na Europa, preferencialmente na Itália. Nessa época comecei a namorar uma moça chamada Mary, que estava já no caminho pra ir pra França.
Começamos a namorar e ficamos meio na promessa de eu ir também pra Europa, pra gente tentar fazer nossa vida juntos lá. Mas daí o tempo foi passando e eu acabei ficando, acho que porque de alguma forma sabia que tinha coisas pra fazer no Brasil ainda. Não me arrependo da escolha, apesar de ter perdido a Mary, mas uma das maiores vantagens de ter ficado foi exatamente a possibilidade de fazer o Átimo, ganhar os prêmios e entrar pro meio.
A realização do filme foi bem complexa, eu muito inexperiente, devo confessar que não sou (ou não era) das pessoas mais fáceis de se trabalhar e dei azar de ter na equipe pessoas mais “complexas” do que eu. Foi difícil conseguir fazer o filme como eu queria, mas o que valeu da luta toda foi isso mesmo: meu filme está exatamente como eu queria, com os erros e acertos meus mesmo, e não dos outros. Curta serve pra isso mesmo.
Patricia Oriolo: Você já participou de alguns programas de televisão, como avalia a contribuição desse tipo de criação no seu trabalho?
Romeu di Sessa: Já dirigi pra teatro, pra cinema e pra TV. No teatro você dirige o ator. No cinema você dirige o ator e a câmera. Na televisão você dirige o ator, a câmera e o relógio, e não pode falhar na direção de nenhum desses elementos.
Tempo na TV é tudo, e no caso do diretor tem dois sentidos: um que você tem que produzir para um tempo já pré-determinado. Se o programa vai ter 26 minutos, ele não pode ter 26 e 30. Isso exige muito de organização e de poder de concisão (o que no meu caso é uma grande exigência…) mas com o hábito você pega a manha. E a outra questão é no tempo da produção em si. Coisa que no cinema você talvez fizesse em 3 diárias, na TV você faz em uma, às vezes menos. E tem que fazer assim, e tem que ficar com cara de 3 diárias…
Outra diferença interessante entre as três artes: teatro você sente o bafo da audiência. Você apresenta uma peça pra 100 pessoas, mas a reação é imediata, você sente na hora o que funciona e o que não, é uma relação dinâmica, tem uma troca intensa.
Em TV você não vê a cara de ninguém mas é louquíssimo saber que numa mesma noite tem 20 ou 25 milhões de pessoas vendo o seu trabalho. Mas é sempre efêmero, por melhor que tenha sido o seu programa, no dia seguinte ele não é mais nada. Não adianta ter ilusões, televisão é eletrodoméstico mesmo, é como um microondas, que é bárbaro na hora que você quer esquentar a comida, mas depois que ele faz bip e você começa a comer, você nem lembra que o microondas está lá na cozinha.
Mas isso é francamente compensado pelo poder atômico que só a TV tem. Já cinema é um míssil de longo alcance, no tempo e no espaço. Certamente, nem uma centésima parte das pessoas que viram um programa de TV meu, viram meu filme.
No entanto, de repente chega uma carta do Canadá, de uma instituição que eu nunca ouvi falar pedindo cópia, ou 10 anos depois de lançado chega um e.mail de alguém que viu na internet, super envolvido com o filme, elogiando, e meu filme sendo hoje uma grande novidade pra alguém.
Essa perenidade do cinema, que nem o teatro nem a TV têm, me apaixona muito. Mas gosto muito de fazer as três artes, a junção delas é que dá um bom balanço na carreira de qualquer diretor e qualquer autor.
Patricia Oriolo: Você se tornou presidente da Associação Brasileira de Documentaristas, quais são suas idéias para movimentar a associação?
Romeu di Sessa: Não posso adiantar agora. Tomei posse no finalzinho do ano passado, logo depois fui viajar, e na verdade a primeira reunião do meu mandato acontecerá na próxima segunda feira. Portanto não me sinto muito à vontade pra detalhar nada antes de consultar o “eleitorado”. Mas posso adiantar o que é óbvio pra quem me conhece: certamente teremos ações importantes junto à iniciativa privada.
Patricia Oriolo: Como avalia a produção de documentários no Brasil?
Romeu di Sessa: Tive que morder a língua em relação aos documentários. Sempre disse que lugar de documentário é na televisão, que eles nunca fariam sucesso no cinema. De três anos pra cá os documentários nacionais provaram que (por sorte) eu estava redondamente enganado. Tudo bem, nenhum deles virou um blockbuster, mas muitos documentários foram muito bem, muito melhor do que eu poderia imaginar. Acho que isso aconteceu por dois motivos: primeiro porque o meu preconceito não era bem com os documentários, era mais com o público brasileiro que achava que não se interessaria pelo formato, e o público se interessa sim. Segundo por conta da qualidade do que tem sido apresentado. Não vou dizer que gosto de todos os documentários que vi, mas vi muita coisa boa nesse formato produzido no país. Vida longa ao doc brasileiro, especialmente nas salas de cinema.
Patricia Oriolo: Recentemente participei de um grupo de discussão que abordou o documentário brasileiro com poucas inovações e que sempre parte da idéia de que as pessoas já conhecem o assunto tratado. Você concorda?
Romeu di Sessa: Em primeiro lugar não acho que se deva procurar fazer documentário sobre temas que as pessoas não conheçam. Não sei se existe ainda algum tema que realmente nunca foi explorado e não acho que seja esse o principal critério. Pra mim o principal não é tanto o tema, mas a abordagem, que ganha brilho quando o autor entende que documentário tem que ser entretenimento também.
Sem precisar pensar duas vezes, o melhor documentário que vi na vida foi uma série da (óbvio) BBC chamada People Century. Falava sobre talvez o tema mais batido já registrado até hoje, o século XX, mas era surpreendente o tempo todo, e pela inovação conseguia nos dar uma visão totalmente nova até dos episódios mais manjados da história.
Por exemplo, eles pegavam aquela famosa foto do Lênin discursando, iam fechando o zoom na foto num cara qualquer que estava na rua vendo aquele discurso, e cortava pra um depoimento desse paisano, dessa testemunha ocular anônima da história que contava – às vezes até desmistificando – o que foi aquele momento pra humanidade. Outra: entrevistaram uma mulher polonesa que tinha seu casamento marcado pra o dia que Hitler invadiu a Polônia.
A hora que você entra em contato com esse tipo de relato, você começa a ter uma noção muito mais clara, mais nítida e mais realista do que efetivamente significa uma guerra, porque você tem a oportunidade de projetar isso no seu dia a dia.
A guerra então deixa de ser um fato histórico distante e frio, pra ser uma coisa muito próxima de você. No frigir dos ovos, é mais impactante quando você tem o dado quente: “o bolo derreteu e um casamento foi perdido” do que o dado frio “25.000 homens desembarcaram na Normandia”.
O segundo dado é história, o primeiro é vida. Essa volta inteira é pra dizer que, na minha opinião, a abordagem faz muito mais diferença do que o tema num documentário.
Patricia Oriolo: Você promoveu o lançamento em DVD de uma série de curtas. Como foi o projeto?
Romeu di Sessa: É antes de mais nada um projeto conceitual mesmo. Sempre me incomodou demais (e ainda me incomoda muito) a postura da maioria esmagadora da classe cinematográfica brasileira que acha que é obrigação do Estado sustentá-la. Acho isso nefasto e preguiçoso.
A obrigação do Estado não é produzir filmes, sua obrigação é promover a cinematografia nacional, inclusive produzindo filmes. O fato é que grande parte das pessoas do meio se comporta como se morássemos em Cuba ou em Serra Leoa, e isso não é verdade.
O Brasil é uma das maiores economias do mundo e tem um parque empresarial como poucos paises têm, que é sistematicamente ignorado pelo produtor médio de cinema nacional, como se ele não existisse, ou como se não fosse possível nenhum tipo de relacionamento com o empresariado brasileiro.
Mais do que fazer um DVD eu queria provar que esse relacionamento é possível. Graças a esse DVD existe agora uma “jurisprudência” importante, tem dinheiro bom da iniciativa privada sendo usado em – veja bem – curta-metragem, não há um único centavo incentivado nesse produto e ele existe e está nas lojas, levando exemplos da produção de curta nacional pra públicos nunca explorados. Não dá mesmo pra gente abrir mão da ajuda do Estado, mas não dá pra gente continuar de costas para o país que a gente vive.
Patricia Oriolo: Fale do seu trabalho para o teatro. Quantas peças você já escreveu?
Romeu di Sessa: Por enquanto escrevi só uma peça, que fez um relativo sucesso. Não muita gente viu, mas quem viu gostou muito, ela era aplaudida de pé quase todas as noites, as pessoas riam muito e choravam também no final. Foi uma experiência única na minha vida.
Descobri entre outras coisas que o som que mais gosto de ouvir é mesmo o som do aplauso, que é na verdade a confirmação que você fez alguma coisa boa. Teatro é imensamente gratificante, e considero obrigatório, acho que todo autor e todo diretor deveria ter no mínimo uma passagem pelo teatro na vida.
Patricia Oriolo: Você participou do curso de Syd Field, autor do famoso “Manual do Roteiro”. Muitos roteiristas consideram que ele está ultrapassado e suas idéias não acompanham o desenvolvimento do cinema moderno. Como você avalia essas argumentações?
Romeu di Sessa: Syd Field não tem nada de ultrapassado, tanto quanto não tem nada de inovador. As pessoas têm um preconceito enorme e descabido com o Cidinho Campo. Eu não tenho preconceito nenhum, muito pelo contrário, acho bastante útil o seu paradigma, é uma ferramenta de trabalho muito importante, ajuda você a desenvolver suas idéias, e no fundo só “esquematiza” a forma mais natural possível de se contar uma história. Mas é muito difícil argumentar sobre Syd Field em poucas linhas, como caberia nessa entrevista. Fico à disposição pra quem quiser levar um papo sério e profundo sobre o assunto, usando exemplos, mostrando a coisa com a mão.
Patricia Oriolo: Muitos roteiristas não gostam de trabalhar com comunicação corporativa. Você tem muitos trabalhos nessa área, como avalia esse mercado?
Romeu di Sessa: Vou contar uma “fábula” da minha vida profissional. Eu era fotógrafo, com uns 25 anos. Tinha um cliente que era dono de uma loja de móveis, um cara já de mais idade que simpatizava muito comigo, me tinha meio como filho acho.
A filha dele ia casar e ele me convidou pra fazer as fotos do casamento da filha dele. Eu fui “fazendo um favor”, olhando de cima pra baixo, porque afinal eu era fotógrafo de moda, de produtos, de modelos, e fotografar casamento era uma coisa menor, pra japonês fazer.
Fiz o casamento e o trabalho ficou muito ruim, e por um motivo só: eu não tinha a menor competência pra fazer aquele trabalho. Perdi momentos importantes, não fotografei quem devia, fiz “fotos artísticas-bem-sacadas” que só interessavam a mim, fui “crítico” e fiz uma trabalhinho de merda.
Infelizmente o cara que me contratou não me deu uma porrada na cara, que era o que eu merecia. O que aconteceu foi que ele ficou imensamente decepcionado comigo. Eu tinha estragado uma coisa muito importante pra ele, por pura arrogância, por achar que eu era maior do que ele, do que casamento e do que japonês.
Foi muito ruim ter acontecido isso, mas foi das melhores coisas que aconteceu na minha vida. Aquela cara de decepção de um cara que me admirava doeu por muitos anos. Eu sou bom pacas como roteirista de vídeo institucional, tem uma boa chance de eu ser o melhor que tem no mercado. E se isso é verdade, assim é porque tenho aqui meus valores e meus talentos, mas principalmente por causa daquela porrada que eu (não) tomei na cara.
Eu aprendi a ter respeito por quem me contrata. Se eu acho que uma coisa é pequena demais pra mim, eu simplesmente não pego o trabalho, e se peguei, obrigatoriamente vou ter respeito pelo que estou fazendo, vou ter respeito pelas expectativas do meu cliente, e vou oferecer pra ele o que eu tiver de melhor pra oferecer.
Por conta daquela experiência de vida, ficou fácil “ser bom” nesse meio, que é divido em dois grupos de profissionais: um é formado por gente que não tem mesmo capacidade pra escrever nada além do mais convencional e tedioso vídeo institucional.
O outro grupo é feito por aqueles que têm capacidade pra fazer “mais” do que vídeo institucional, e por isso mesmo quando pegam um trabalho desses, fazem com um certo salto alto, com um olhar blasée de cima pra baixo. Eu não. Garanto pra você que dá pra fazer muita coisa boa e divertida em vídeos institucionais. Na dúvida, visite meu site…
Patricia Oriolo: Na sua opinião o que precisa ser feito para que o cinema digital ganhe maiores dimensões no Brasil?
Romeu di Sessa: Nossa, esse é um outro papo pra horas! Mas bem resumidamente, acho que o Brasil está perdendo (se é que já não perdeu) uma ótima oportunidade de dar uma guinada na história do mercado de cinema, exatamente com o cinema digital.
O Brasil, talvez mais do que qualquer outro país do mundo, tem todas as condições e principalmente todas as necessidades pra virar o primeiro grande centro de cinema digital do mundo. É aquela coisa de tirar vantagem das mazelas. Os EUA têm 38.000 salas de cinema analógicas.
Quanto custará pra eles em tempo e dinheiro transformar tudo aquilo em digital? Nós, com nossas parcas 2000 salas, com inúmeras praças ainda virgens, poderíamos com facilidade implantar um parque inteiro de cinema digital. Além disso, temos o mais importante: tecnologia própria, desenvolvida no país pela Rain, uma empresa nacional, com um pessoal totalmente do bem, muito interessado em cinema nacional, e que simplesmente (até o último papo que tive) não recebe apoio nenhum de parte nenhuma.
Sem a modéstia que não me cabe mesmo, digo que fui eu a primeira pessoa a estimular uma interlocução nesse sentido do cinema digital. Há uns três anos eu fiz uma movimentação pelas listas da internet, organizei um abaixo assinado pedindo pra ANCINE promover um encontro entre essa empresa e membros da comunidade.
Esse abaixo-assinado deu certo e por conta dele a ANCINE fez 4 encontros, em Porto Alegre, São Paulo, Rio e Recife, pras pessoas verem o trabalho digital e entenderem o que poderia vir dele.
Infelizmente morreu por aí. Podíamos incentivar essa e outras empresas e em contra partida garantir uma recíproca, conseguindo assim maior espaço para o produto nacional. Mas o que vai acontecer é que a Rain, como outras empresas que apareçam, vão na verdade ter “apoio” é do produto americano e é com ele que farão seus laços. Depois todo mundo vai chorar e fazer discursos bonitos contra o “poder hegemônico”… E ninguém vai se mexer pro cinema digital – comprometido com o produto nacional – crescer no país. Claro, não é coisa do governo…
Patricia Oriolo: Qual o filme que gostaria de ter escrito e por que?
Romeu di Sessa: Bom, teria uma lista de uns 10.000 filmes… Vou falar só um: o Veredicto. E por que? Por vários motivos: tem uma trama muito bem desenvolvida. Os personagens todos são muito fortes e muito reais. É muito envolvente.
Engana o público muito bem, e eu adoro enganar bem o público, porque sei que o público adora ser bem enganado. (Estou falando da personagem da Charlote Rampling, óbvio.) Porque o tema me interessa muito, essa coisa de alguém tendo o último tiro pra dar (“there is no other case, this is the case”, repetido à exaustão).
Tem uma situação muito legal de ver alguém fazendo uma coisa que em qualquer outra situação seria inaceitável, mas que nesse filme você acha “certo”. Falo da (merecida) porrada que o Paul Newman dá na Charlote Rampling no restaurante. Almodóvar conseguiu fazer essa façanha também no “Fale com Ela”, onde a gente se apaixona por um cara que fez nada menos do que estuprar uma mulher que estava em coma… Enfim, acho Veredicto um filmaço, muito bem escrito, interpretado e dirigido.
Patricia Oriolo: Quais são seus próximos projetos?
Romeu di Sessa: Bom, tem alguns projetos em televisão, tem uma peça de teatro na cabeça já faz um tempo, que “já está escrita”, preciso só teclá-la, um pocket show de 50 minutos que acho que vai dar samba.
Em cinema tem um roteiro de animação que já escrevi o primeiro tratamento e que está em andamento. Tem mais um roteiro de curta que pensei recentemente e acho que pode ficar legal, mais um de longa que já está escrito e preciso achar um jeito de levantar recursos.
Mas tem um projeto de um filme chamado “O Trajeto” que se eu pudesse eu pararia minha vida inteira pra me dedicar só a ele. É baseado numa história real, de uma pouco conhecida heroína brasileira. Não tem nenhuma idéia que eu tenha tido na minha vida na qual eu ponha tanta fé quanto neste filme. Já estou tentando há 3 anos, vou continuar tentando enquanto eu respirar.
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