Glória Maria Ferrante Perez nasceu em Rio Branco, no Acre, onde viveu até os 14 anos. Na adolescência, mudou com a família para Brasília, em função do trabalho do pai, Miguel Jerônimo Ferrante, que foi ministro do Supremo Tribunal de Justiça.
Na capital federal, iniciou os cursos de filosofia e direito, não concluídos. “Meu sonho era fazer história, mas não havia esse curso naquela época em Brasília”, conta. Por isso, Glória mudou para o Rio de Janeiro, onde fez a faculdade de história da Universidade Federal (UFRJ).
Posteriormente, para o mestrado, pesquisou a industrialização brasileira. Nesse tempo de vida universitária, na década de 70, participou do movimento de poesia marginal e se casou com o engenheiro Luís Carlos Perez, já falecido, com quem teve três filhos, Rodrigo, Rafael e Daniella.
Inspirada no seriado Malu Mulher, da Rede Globo, sucesso televisivo daquele período, Glória escreveu um roteiro. “Mas não consegui entregá-lo a ninguém da produção”, relembra. A sorte mudou quando conheceu em um restaurante a nora da novelista Janete Clair, a rainha das telenovelas da época. “Ela me contou que Janete estava doente e, pela primeira vez, ia trabalhar com um assistente”, conta.
Foi o suficiente para Glória correr para casa e enviar o roteiro engavetado, que chegou às mãos de Janete Clair em poucas horas. Janete gostou do trabalho e convidou-a para ser sua colaboradora. A novela era Eu Prometo, que estreou em 1983. Foi o último trabalho de Janete Clair, que faleceu durante as gravações, e o primeiro de Glória. “Aprendi muito com ela. Nunca me esquecerei do incentivo que recebi”, diz.
Glória, então, trocou a carreira acadêmica como historiadora pela de novelista. Em 1984, dividiu a autoria de Partido Alto com Aguinaldo Silva, incluindo na trama a primeira “campanha social” a denúncia pela falta de transporte público no bairro de Encantado, subúrbio carioca. “Uma parte da novela se passava no Encantado.
Não existia condução para lá e resolvemos denunciar isso. Quando a novela acabou, já havia linha de ônibus para o bairro”, revela. Depois dessa novela, deixou a emissora. Foi para a antiga Rede Manchete e escreveu Carmen, em 1986. A novelista aproveitou o espaço para tratar o tema da Aids e esclarecer as formas de transmissão da doença.
De volta à Globo em 1990, escreveu sua primeira minissérie, Desejo, estrelada por Vera Fischer. No mesmo ano, causou polêmica com a novela das 6, Barriga de Aluguel, em que um bebê de proveta era gerado no ventre de outra mulher. Em 1992, levou ao ar em De Corpo e Alma o drama de uma jovem com o coração transplantado.
Durante a novela, recebeu cartas de agradecimento de vários hospitais do país pelo aumento do número de doadores. “Infelizmente a campanha de doação de órgãos não teve muito mais repercussão em virtude do que aconteceu com a Dani”, comenta relembrando o trágico marco em sua vida.
Daniella, filha caçula de Glória, era uma das atrizes da novela e foi assassinada aos 22 anos, em dezembro de 1992, pelo colega de elenco Guilherme de Pádua e pela mulher do ator, Paula Thomaz. Ambos foram condenados em 1996, cumpriram parte da pena e hoje estão em liberdade.
No processo de julgamento dos assassinos, Glória levantou assinaturas em todo o Brasil para transformar o homicídio em crime hediondo.
O retorno à teledramaturgia ocorreu no final de 1995, com Explode Coração. Na trama, Glória retratou o mundo cigano, a internet e o drama das crianças desaparecidas. “Durante a exibição, foram encontradas 81 crianças”, conta.
Em 1998, escreveu um episódio do seriado Mulher e assinou a segunda minissérie, Hilda Furacão, adaptação do romance homônimo do escritor mineiro Roberto Drummond. Trabalhou ainda, entre 1998 e 1999, no remake de Pecado Capital, novela de Janete Clair que fora exibida em 1975.
Glória planeja agora uma terceira minissérie, roteirizando um dos romances escritos pelo pai. Quando está em férias, aproveita para dar cursos de roteiro em centros culturais do Rio de Janeiro, como a Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema. “Gosto de ensinar. Se não tivesse entrado para a televisão, talvez estivesse ainda na UFRJ pesquisando e dando aulas de história”, comenta a autora.TRABALHOS NA TV REDE GLOBO
Partido Alto (1984) com Aguinaldo Silva
Desejo (1990) Barriga de Aluguel (1990/91)
De Corpo e Alma (1992/93)
Explode Coração (1995/96)
Hilda Furacão (1998)
Pecado Capital (1998/99)
O Clone (2001/02)
América (2005)REDE MANCHETE
Carmem (1987/88)COLABORADORA
Eu prometo (1983/84)
O Planeta TV: Em primeiro lugar, Glória Perez é um prazer tê-la nesta entrevista para o especial sobre “América” e para falar um pouco sobre a sua carreira.
Glória Perez: É um prazer estar aqui com vocês.
O Planeta TV: Em 1979, você chegou a escrever um episódio para a série Malu Mulher que não chegou ir para o ar. Anos depois esse script chegou às mãos de Janete Clair que achou interessante e a convidou para colaborar na novela “Eu Prometo”. Comente um pouco dessa história…
Glória Perez: Escrevi um Malu Mulher por conta própria, botei embaixo do braço, como todo iniciante e fiquei tentando ver se alguém da Globo lia, mas não consegui entregá-lo a ninguém! A única pessoa que leu foi a Janete Clair. E me chamou para trabalhar com ela.
O Planeta TV: Devido a problemas de saúde, Janete Clair se afastou da novela (a autora acabou falecendo) e você seguiu em diante com o trabalho e surpreendeu a alta direção da Rede Globo. Como foi esta difícil etapa?
Glória Perez: A Janete nunca se afastou da novela. Escreveu até o fim, até o último dia, e quando não conseguia mais escrever ditava os capítulos da cama do hospital. Eu continuei o trabalho respeitando as recomendações que ela me deixou. Foi um grande privilégio ter sido sua aprendiz: ela foi a melhor de todos nós.
O Planeta TV:Logo depois você assinou junto com Agnaldo Silva a novela Partido Alto. Dizem que vocês tiveram problemas de incompatibilidade de idéias e Agnaldo Silva acabou se afastando da trama. O que realmente aconteceu?
Glória Perez: Imagine juntar dois autores que nunca se viram antes, sem lhes dar tempo de descobrir afinidades, numa novela em que ambos tem o peso igual? Não podia dar certo. Num determinado momento, a Casa resolveu deixar um só. Eu fiquei segurando o pepino e o Aguinaldo teve mais sorte: foi fazer um trabalho solo. Preferia mil vezes que tivesse sido o contrário!
O Planeta TV: Depois disto como ficou a sua relação com Agnaldo Silva. Existe algum problema entre vocês dois, pois Agnaldo Silva chegou a reclamar com a TV Globo que havia aumentado a audiência da novela América em relação ao de Senhora do Destino.
Glória Perez: Da minha parte garanto a você que não existe problema nenhum! E quando nos encontramos nos falamos sempre de modo muito amigável.
O Planeta TV: Vamos falar um pouco das suas telenovelas… Barriga de Aluguel é uma das maiores novelas da TV Globo com 243 capítulos. A novela abordava um assunto polêmico onde duas mães lutavam pelos direitos da guarda de um bebê. Devido ao tamanho sucesso a o público passou a discutir sobre o assunto. No final você optou que o bebê fosse criado pelas duas mães. A senhora pode comentar um pouco sobre esta grande polêmica na época?
Glória Perez: Barriga de Aluguel ficou seis anos engavetada, acredita? Porque na época em que fiz a sinopse não tinha acontecido nenhum escândalo envolvendo a disputa de duas mães por um filho gerado assim. Embora a prática já existisse, inclusive no Brasil. Na época, visitei um laboratório em São Paulo onde se fazia amplamente barrigas de aluguel e comercialização de óvulos. Hoje esses temas são comuns.
Na época, pareceram delirantes demais. Aliás, essa é uma característica dos meus trabalhos. Tenho uma antena muito apurada para captar o que está latente, mas ainda não é visível para todo mundo. Foi assim quando falei da Internet em Explode Coração: eu lia em muitos jornais que era impossível que dois computadores falassem entre si.
Foi assim, pasme, em De Corpo e Alma, quando houve quem tachasse de invencionice o transplante de coração, foi assim em O Clone, quando a cultura muçulmana foi atribuída por muita gente à minha imaginação! e vai por aí! Eu me divirto, claro!
O Planeta TV: Depois veio a novela “De Corpo e Alma” que também foi um grande sucesso, porém marcada pela morte de Daniela Perez, cujos assassinos estão soltos. Passado 12 anos, você ainda acredita na justiça brasileira?
Glória Perez: Nós somos o país da impunidade, mas eu não desisto de lutar para que não continue assim. Depois do assassinato da Dany, fiz a campanha das assinaturas: há um tópico na constituição brasileira que permite à sociedade fazer passar uma lei desde que se consiga a adesão de determinada proporção da população do país. Na época, a proporção exigida se traduzia em 1.000.000 de assinaturas.
Foi uma campanha linda. Em apenas três meses conseguimos reunir 1.300.000 assinaturas, sem apoio de nenhum grande órgão de imprensa: as pessoas passavam as listas no seu trabalho, nas suas ruas, e elas chegavam de todo o país! Essas assinaturas se transformaram na primeira emenda popular da História do Brasil.
O que a emenda fez foi incluir o homicídio qualificado entre os crimes considerados hediondos, seja, aqueles que dão cadeia. Então você vê: o julgamento agora do último réu do caso Tim Lopes. Na hora da sentença o juiz citou a emenda popular para condenar o criminoso a cumprir a pena na cadeia!
O Planeta TV Depois veio a novela Explode Coração outro grande sucesso que levou o público a entra na onda da dança cigana; Hilda Furacão com outra polêmica; o remake de Pecado Capital e depois “O Clone”. Um sucesso atrás do outro. Como você consegue ter idéias para suas tramas? No dia a dia? Em viagem?
Glória Perez: É natural em mim, da mesma forma que para um pintor é natural que seu olhar destaque às cores e a forma, e que o olhar de um bailarino privilegie o movimento.
O Planeta TV: Você é considerada uma as grandes autoras de telenovelas brasileiras. Isto pode ser conseqüência de ter como madrinha Janete Clair?
Glória Perez: Eu diria mestra. Foi um grande privilégio ter aprendido os truques do folhetim com a Janete.
O Planeta TV: Agora vamos falar do sucesso do momento: “América”. Dizem que no inicio você queria Cláudia Abreu para o papel de Sol (naquele momento vários autores estavam disputando pela atriz), mas ela preferiu tirar umas férias. Ainda tem expectativa de voltar a trabalhar com esta talentosa atriz?
Glória Perez: Na verdade Claudia queria muito fazer a Sol. Mas ela tinha, até por contrato, um limite de dias de trabalho, e o diretor que estava à frente da novela na época não fechou alegando que não conseguiria gravar sob essas condições. Só por isso ela não fez a Sol.
O Planeta TV: Dizem que desde o inicio você queria a música de Ivete Sangalo para abertura da novela. Mas acabaram colocando uma de Milton Nascimento no lugar. O que realmente aconteceu?
Glória Perez: Isso que você acabou de dizer!
O Planeta TV: Até o capítulo 40, América sofreu algumas mudanças devido à audiência que sofreu uma pequena queda, mas levantou-se logo em seguida, com a nova fase da novela. Mudança de diretor e a abertura que você tinha proposto. Precisou mudar ou adiantar alguma coisa na trama?
Glória Perez: A mudança na direção aconteceu porque a história escrita não estava sendo contada. O que mudou foi isso: a novela escrita foi finalmente ao ar!
O Planeta TV: Na mudança de fase da novela alguns personagens não chegaram a entrar na história, como, por exemplo, o personagem de Carlos Casagrande. Por que?
Glória Perez: Eu quero muito trabalhar com o Casagrande, mas a verdade e que ele não tinha papel nenhum nessa história.
O Planeta TV: “América” passou a surpreender no ibope e a crítica começou a ter outro ponto de vista sobre a novela. Como você reagiu desde as críticas negativas às críticas positivas?
Glória Perez: As criticas (contra ou a favor) são bem-vindas sempre: as molecagens não. As molecagens incluem o desrespeito, a produção de notícias falsas, a manipulação de dados… e até a covardia de tratar como piada o assassinato da minha filha. Estou processando dois desses moleques, claro! Agora vamos falar de jornalistas: o que eu acho é que a industria de novelas no Brasil ainda não conseguiu produzir uma crítica à sua altura.
Há exceções, claro, mas a grande maioria dos que se apresentam como críticos são pessoas que não gostam de novela. Tenho saudade de Arthur da Távola, que antes de entrar na política fazia critica de novelas e fazia bem. Conhecia a fábrica por dentro, como se diz. Sabia distinguir a competência das muitas áreas que devem se harmonizar para produzir o resultado final. Como faz o critico de cinema, por exemplo.
O Planeta TV: “América” surpreendeu com a quantidade de núcleos e atores. Como você conseguiu abordar diversos assuntos e dando ênfase a todos os núcleos de forma a não causar constrangimento entre os atores, pois, vimos que o elenco desde o inicio esteve sempre unido.
Glória Perez: Tem novelas com elenco muito maior. Penso que essa impressão de elenco grande demais nasce da diversidade dos núcleos. Se você fizer a conta vai ver que o número de atores está dentro da média de qualquer outra novela.
O Planeta TV: “América” chega a sua reta final com média de 49 pontos, um grande sucesso do horário nobre da TV Globo. Como você avalia esta audiência. Atingiu os objetivos?
Glória Perez: Plenamente! E olha que tivemos todos esses problemas! Imagina se a novela tivesse começado sob o comando do Schechtman! Todos nós, envolvidos no projeto, estamos comemorando uma vitória e tanto!
O Planeta TV: Em diversas pesquisas, apontam que o público quer Ed com Sol. Você está guardando este final a sete chaves, mas essas pesquisas influenciam na sua decisão final?
Glória Perez: Não. A última frase da sinopse de América é: “e Sol terá que escolher entre dois amores”. Na verdade terá de escolher entre o amor que nasce devagar, da convivência, e aquele amor de pele, que explode à primeira vista entre duas pessoas: a paixão! Quando você escreve as cenas você está ao mesmo tempo construindo uma emoção no público que assiste. Você induz o público a querer aquele desfecho. E a história de Sol com as duas pontas de seu triângulo amoroso: Tião e Ed, terá seu desfecho. Acredito que o público vá gostar.
O Planeta TV: E o beijo entre Júnior e Zeca vai mesmo acontecer? Vai ser selinho ou beijo mesmo pra valer?
Glória Perez: Espera pra ver! Agora a esse respeito tive uma grata surpresa: é impressionante o número de e-mails que tenho recebido pedindo que Junior termine assumido, feliz e beijando Zeca! O que surpreende é a quantidade de homens (heteros) que se manifestam assim. Fico feliz porque Junior contribuiu de alguma maneira para mudar o olhar das pessoas a respeito da relação homossexual, e porque isso demonstra que somos hoje um país menos preconceituoso do que éramos há alguns anos, quando Silvio de Abreu teve de retirar as lésbicas da trama de sua novela, tamanha foi a pressão do público.
O Planeta TV: E fugindo um pouco do assunto para finalizar a entrevista e atendendo a pedidos dos nossos “planetários”, a TV Globo tem planos de reprisar “O Clone” em 2006?
Glória Perez: Não faço a menor idéia!
O Planeta TV: Agradecemos a você Glória Perez por esta entrevista. E não podemos de deixar de parabenizá-la por grandes sucessos no seu currículo e por nos proporcionar grandes emoções, texto brilhantes e sempre abordando temas com campanhas de utilidades públicas. Desejamos sucesso e aguardamos a próxima novela. Muito Obrigado!
Glória Perez: Obrigada você, Planeta, E até breve!
O resumo sobre a autora e as fotos foram retirados do site: http://premioclaudia.abril.com.br/2002/gloria_perez02.html
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