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Dramaturgia audiovisual: Notas sobre Técnicas de animação e e criação de narrativas transmidiáticas

Iara Sydenstricker

Abstract This work discusses the relationship between drama and animation techniques and at the same time it reflects about serialization strategies and transmedia expansion of audiovisual  fictional universes. It tries to find out how the bonds between the dramatists and animated characters are established, taking into account that there are no actors, stage and real sceneries. How can animation techniques permit that the natural laws of the so called real world be broken, thus opening other creative perspectives?

Which creative strategies can guarantee the breath of a program that desires to expand through diverse medias? Which are the perspectives of expansion of an audiovisual story through differentiated vehicles and forms, such as TV or web series and  mobisodes? The work relies upon drama as a foundation to create and expand transmedia audio visual narratives, not minding for which and how many vehicles or techiniques it is meant for.

Index Terms:  Tele drama, Animation, Serialization, Transmedia Storytelling.

Introdução

A teledramaturgia de animação exige do roteirista habituado a escrever para imagem real conhecimento acerca de algumas regras e princípios técnicos que a norteiam. Trata-se de um campo onde prevalecem as parcerias, particularmente com animadores, artistas plásticos, designers, ilustradores e produtores, dentre outros profissionais especializados e (em boa parte) acostumados eles mesmos a criarem suas próprias histórias.

É preciso saber o que pedir, o que sugerir e (talvez principalmente) o que não solicitar ou não falar para animadores profissionais. Tanto em programas audiovisuais em imagem real, como naqueles de animação, a ilusão de movimento se dá em associação direta entre o fenômeno da retenção da imagem pelo olho humano e a sucessão de frames (quadros). Nos primeiros, contudo, o tempo se organiza a partir de equipamentos usados nas fases de gravação e finalização das obras (fase de edição), enquanto que, na animação, o tempo é construído frame a frame. [1]

Em sentido latu, todo dramaturgo é também animador, ou seja, aquele que dá alma (anima) a personagens através de suas ações e em seus universos ficcionais. A mais fantástica ou surreal narrativa deve guardar verossimilhança, ainda que regida por leis que contrariem as que imperam na chamada vida real, afinal, também o mundo animado deve ser coeso, por mais ensandecido ou distante da realidade que possa parecer.

Nessa direção, a criação de universos audiovisuais transmidiáticos exige aprofundamento dramatúrgico capaz não apenas de garantir sua verossimilhança e suas perspectivas de expansão – como estão a exigir mercados e consumidores em todo o planeta – mas também de manejar com sabedoria imaginativa a serialização dos programas que dele derivam, uma das mais marcantes características e tendências do transmedia storytelling.

Sobre Técnicas de Animação para Roteiristas

As técnicas de animação dividem-se em dois grandes grupos: 2D (duas dimensões) e 3D (três dimensões). As principais técnicas de animação 2D são a tradicional (também conhecida como hand-drawn ou cel animation) e a de recortes.

A animação 2D tradicional oferece a possibilidade da rotoscopia, que consiste em desenhar ou redesenhar por cima de película de filme já gravado. A animação 2D de recortes baseia-se no recorte de figuras e personagens desenhados e pintados – em papel ou material próprio (analogicamente) ou digitalmente – permitindo movimentos rápidos, mas com pausas entre um e outro. Embora seja possível trabalhar com as partes separadamente, a manipulação de personagens se torna mais fácil se houver algum tipo de junção entre elas.

No processo de filmagem de uma animação analógica de recortes, utiliza-se uma mesa especial, chamada truca, para que o material seja fotografado quadro a quadro, minuciosamente. O trabalho é feito diretamente na mesa, com o auxílio de vidros utilizados para separar as diversas camadas da animação, assim como os personagens do cenário. Já a animação digital de recortes utiliza software vetorial que permite maior economia de produção, em oposição à chamada full animation, presente durante o início e durante boa parte das produções fílmicas.

Na TV, prioriza-se a animação vetorial de recortes, que permite rápido desenvolvimento e uso de peças previamente desenhadas e copiadas para o computador (a biblioteca do programa). O processo de realização desse tipo de animação consiste na feitura de partes separadas dos personagens (braços, cabeça, pernas, dentre outras arquivadas na biblioteca do programa) conjugadas de acordo com indicações do roteiro e do storyboard.

Além disso, os cenários geralmente são compostos por cartelas padronizadas, com pouca ou nenhuma movimentação de fundo. Existe ainda o que se pode chamar de estética vetorial, calcada num tipo de arquivo (o vetorial) que resulta em traços limpos e passíveis de ampliação. Importante segmento da animação, os desenhos conhecidos como animes são a expressão audiovisual dos mangás das histórias em quadrinhos originárias do Japão.

Considerados um estilo à parte dentro da animação 2D, os animes congregam processo de produção muito rápido e descentralizado (divisão por etapas, não raro realizadas por técnicos em vários países) e uma forma peculiar de contar histórias de aventuras (ao mesmo tempo violentas e de cunho moralista, com enquadramentos típicos do que se pode chamar de estilo anime). No entanto, a animação vetorial é pouco adotada pelos japoneses, que adotam técnica simples de recorte, em camadas.

Quanto às animações 3D, as mais comuns são a quadro-a-quadro (stop motion) e a realizada em computação gráfica (3D CG). Existem ainda outros tipos de animação 3D, como a de fantoches e a de bonecos. A animação 3D Stop Motion é criada a partir de fotografias frame-a-frame (ou quadro-a-quadro) de modelos reais – bonecos e objetos de plástico, massa de modelar, argila ou outro material – e até mesmo com atores.

Os quadros fotografados são montados (quando em película) ou editados (através de tecnologia digital), dando a impressão de movimento. Hoje em dia, as fotografias são editadas em computador, mas antes disso eram coladas uma a uma. Fazem parte da técnica Stop Motion subcategorias como animação com areia, animutation, fanimutation, pixilation e scanimation.

A técnica 3D de computação gráfica oferece a possibilidade de uso de Cell Shading – técnica de simplificação de formas, detalhe e luz, tornando a imagem mais “chapada” -, que permite renderizar (processo de finalização que costuma tomar bastante tempo da produção) em períodos mais curtos. Com o uso do Cell Shading a animação distancia-se do realismo geralmente buscado nas animações em 3D e se aproxima mais do desenho, levando um trabalho tridimensional a ter aparência de um desenho bidimensional.

As principais etapas de realização de um programa de animação 2D são:

  1. Desenvolvimento da idéia, da bíblia (ou projeto da obra e produtos derivados) e do(s) roteiro(s), onde se estabelecem o tom dramático da obra, o tipo de animação, seu ritmo e a estrutura geral da história. Como ocorre em programas de imagem real, o roteiro é a base do programa de animação;

  2. Realização do storyboard, a partir do quê visualiza-se a história de acordo com seus enquadramentos, ângulos e composições de cenas.Conforme Scott (2002), “o storyboard é a interpretação visual do roteiro, realizado por meio de esboços […] revela todas as cenas do roteiro e indica a ação e os movimentos de câmera através de vários símbolos e sequências de ilustrações”. [2];

  3. Desenvolvimento da visualidade do programa (traços, cores, definições de detalhes, entre outros aspectos). Esta fase é geralmente comandada por designers e/ou profissionais como diretores de arte, ilustradores ou por uma combinação de especialistas aptos a cumprirem as exigências estéticas do projeto;

  4.  Desenvolvimento da animação propriamente dita, quando o projeto ganha “vida”, movimento.

Quanto à animação 3D CG, de modo geral são os seguintes os principais passos:

  1. Fase 1 – realização dos desenhos de conceito de todos os personagens e cenários a partir da base dramatúrgica do programa. Definição visual do projeto, do(s) estilo(s) dos personagens e cenários. Momento crucial para que o roteirista compreenda e discuta especialmente as possibilidades de movimentos dos personagens, suas texturas, detalhamento de feições (expressões), perspectivas de uso do cenário como parte integrante da ação e o que poderá gerar trabalho extraordinário que venha a impedir o cumprimento de prazos e orçamentos pré-estabelecidos;

  2.  Fase 2 – Storyboard, ou seja, o esboço das sequências de cenas em preto e branco, com o objetivo de se estudar e compreender a visualidade, o ritmo e a dinâmica dos episódios. O storyboard também informa ao roteirista o “comportamento” do roteiro que, nesta fase, já foi criado, mesmo que ainda não tenha chegado à versão final;

  3. Fase 3 – Animatic. Nesta fase o story board é colocado em movimento, ou seja, os quadros desenhados são fotografados e editados para que se possa ter uma primeira noção acerca do tempo de duração das cenas e o ritmo geral de todo o programa. De preferência, o animatic deve ser sonorizado (música, sonoplastia e falas dos personagens). Fase bastante importante para que o roteirista possa rever sinopse, instruções do roteiro e especialmente as falas dos personagens;

  4. Fase 4 – Modelagem de personagens e cenários, quando se transfere o que foi feito na arte conceitual (desenhos/ilustrações) para a forma 3D em wireframe. Nesta etapa ainda não são aplicadas texturas e cores e seu tempo de duração depende da complexidade dos personagens e cenários, do ritmo da história, do número de personagens em cada cena, dentre outros aspectos que impliquem em mais ou menos trabalho para o(s) animadore(s);

  5. Fase 5 – Texturização e colorização de personagens e cenários. Excelente momento para avaliação geral do programa e discussão entre roteiristas, diretores e animadores para definição de eventuais mudanças ou detalhamentos finais;

  6. Fase 6 – Composição das cenas e animação propriamente dita, quando se aplica movimento ao que foi modelado com base no rig (construção do esqueleto dos personagens).

De acordo com Marx (2007), a evolução da animação nos EUA explica a pouca importância dada ao roteiro até os anos 1960, quando a televisão impôs uma nova forma de produção. No começo, o artista fazia todo o trabalho sozinho, o que lhe exigia meticulosidade e tomava muito tempo, inclusive para a elaboração da obra.

Na medida em que a animação evoluiu, foram sendo criados estúdios com equipes de artistas especializados, porém a dramaturgia ainda não ocupava lugar específico. [3] Atualmente, contudo, as equipes de criação e produção vem crescendo e variam segundo os tipos de animação, de programa e veículos aos quais se destinam (filme para cinema, série ou filmes para TV, Web ou dispositivos móveis), perfis dos profissionais envolvidos, prazos estipulados, orçamentos, dentre outros fatores.

De modo geral, as equipes costumam abrigar ao menos um representante dos seguintes segmentos: dramaturgia/roteiro; ilustração; direção; produção executiva; direção de arte ou design; storybord; assistencia (responsável pelos desenhos de intervalos ou inbeetweens),sonoplastia, composição e/ou direção musical; edição e finalização e; interpretação.

Na teledramaturgia televisiva – tanto para imagem real, como para animação – costumam ser priorizados programas que congreguem rapidez de produção e, no mais das vezes, baixo custo. No caso da animação, o roteirista deve evitar solicitações como zomm (praticamente proibitivo na TV); movimentos giratórios; muitos personagens na mesma cena e; utilização de elementos naturais (chuva, água, fogo). Assim, a animação de vetor é uma solução técnica bastante adotada por oferecer maior agilidade de produção.

No caso de programas em três dimensões (3D), há dificuldade para a realização de elementos naturais; muitos personagens em cena ou personagens ou objetos com movimentos complexos, sem cortes intra ou inter cenas e; detalhamentos (como cabelo, dentes, olhos).

Com relação aos closes, podem ser realizados, de preferência sem solicitação de elaborações mais minuciosas. Ainda quanto às diferenças entre animações em 3D e em 2D, ressalta-se que a elevação de custos da primeira se dá em função do tempo consumido na criação do wireframe (esqueleto)e do body shape (modelagem do corpo) dos personagens, da aplicação de texturas, cores e detalhes.

Quanto aos cenários, especialmente na TV são priorizados os chamados cenários genéricos, como florestas, muros de pedra ou fundos neutros. Séries de animação para televisão não costumam marcar sua temporalidade, o que significa que, entre um ano e outro, o programa mantém a mesma “idade” e personagens tais como apresentados na primeira temporada, sem que envelheçam. [3]

Roteiros para imagem real não informam detalhamentos acerca da encenação, dos enquadramentos e outros aspectos da produção.

Ao contrário, espera-se de roteiristas que não invadam searas da direção geral, da produção, da direção de arte, fotografia, dentre outras. Diferentemente disso, na animação os ilustradores, animadores e storybordistas saberão o que desenhar e modelar apenas se forem devidamente instruídos para tal, o que significa que os roteiros são mais detalhados. Nesse sentido, em animação o roteirista é também diretor e deve informar a todos os profissionais o que fazer de forma concisa, objetiva, bem escrita, sem repetições desnecessárias, porém não exageradaemente minuciosos. [3]

Muito embora sejam usadas vozes de atores na fase de produção, os movimentos, as expressões corporais e faciais e a própria existência visual das personagens de animação são obra de ilustradores e animadores. Ademais, ao ser exportada para outros países, a obra é dublada por novos atores em idiomas distintos do original. Existem também limitações técnicas que cerceiam movimentos de personagens de animação, por mais avançados que sejam os programas de computação empregados, a exemplo da dificuldade entre sincronicidade labial e fala, principalmente em programas com propostas mais realistas, o que toma muito tempo e eleva custos de produção. Mesmo em séries descompromissadas com a estética realista, o ideal é adotar a estratégia dos diálogos curtos, rápidos, ágeis e concisos com, no máximo, duas frases. [3]

O uso de perspectivas complicadas deve ser evitado, especialmente quando se trata de cartoons feitos à mão (animação 2D tradicional). Da mesma forma, a adoção de efeitos e movimentos de câmera que muitas vezes são facilmente realizáveis em imagem real podem se tornar um entrave à produção de uma animação [4] Em se tratando de animação, a exigência de visualização da história é ainda maior do que para programas em imagem real.

O roteirista poderá enriquecer e modificar seu roteiro desde que conte com a parceria do storyboardista e tenha domínio sobre o que quer para a chamada storytelling. Enquanto o roteiro para imagem real é destinado à análise do diretor e/ou produtor, na animação os leitores primordiais são o storybordista, o ilustrador e o animador.

Mesmo oferecendo grandes perspectivas imaginativas e de invenção tecnológica, a animação hoje adotada nas grandes produções cinematográficas tende à estética realista-naturalista, na qual as leis da física são apenas exageradas. [5] Já a televisão comporta, bem mais que o cinema, programas de animação repletos de peripécias e situações de curta duração baseadas no humor ou na comicidade.

Em ambos os casos, porém, a verossimilhança, relacionada ao pacto que se estabelece entre dramaturgo e espectador em torno da chave ficcional que decodifica a obra é, talvez, um dos mais complexos desafios impostos ao roteirista de animação.

Narrativas Transmidiáticas e Serialização: Algumas questões para a criação audiovisual

A tecnologia digital dos meios de comunicação de massa vem impulsionando uma grande flexibilização da produção audiovisual, na mesma medida do incremento de plataformas de exibição, da demanda por novas programações, e da disputa entre agentes criadores e realizadores.

Na chamada era da convergência digital, um mesmo universo ficcional gera programas distintos, baseados em técnicas diferenciadas (imagem real, animação ou mistas) produzidos para veículos e plataformas diferenciadas (televisão, computador mobiles, cinema e outros existentes ou por existirem).

Assim, derivados de um mesmo “organismo” ou sistema criativo, tais programas acabam por engendrar seu próprio world building na medida em que se expandem com relativa independência em relação à matriz. Trata-se, assim, de um processo rizomático de crescimento de universos ficcionais que continuamente geram uma série de programas construídos para diversas mídias, formatos e faixas de público, os quais, por sua vez, criam espécies de subsistemas (mais ou menos) autônomos, ampliando, assim, sua tecitura dramatúrgica e aquela da qual fazem parte.

Não se trata, porém, de adaptações como meras extensões da narrativa nuclear originária para outros suportes, mas sim de processos de ampliação de mundos ficcionais que coexistem e se retroalimentam, uma “espécie de big bang narrativo de onde vão se gerando novos textos até chegar aos conteúdos produzidos pelos usuários. Dessa perspectiva, o transmedia storytelling acaba por gerar uma galáxia textual” [6].

Nesse sentido, a serialização de programas audiovisuais e, ao mesmo tempo, seu grau de independência em relação ao universo que os originou torna-se mais e mais fundamental para que sua transmedia storytelling possa se complexificar e enriquecer continuamente. Em resumo, como diz Jenkins, as narrativas caminham para “a arte da construção de universos, à medida em que os artistas criam ambientes atraentes que não podem ser completamente explorados ou esgotados em uma única obra, ou mesmo em uma única mídia”. [7]

Nesse contexto, emerge a importância da narrativa serializada ou do “fatiamento” de programas audiovisuais não só para alimentar a expansão do mundo ficcional ao qual pertencem, mas também para aprofundá-lo, adensando continuamente sua dramaturgia. Roteiristas habituados a lidar com a indústria nacional do entretenimento televisivo trazem experiência na criação de programas fatiados, já que telenovelas e minisséries fundaram e até hoje são o alicerce da teledramaturgia brasileira (Rede Globo em especial).

Não possuímos, contudo, o saber vinculado à construção de séries ou seriados capazes de se manterem no ar por cinco, dez, quinze ou mais anos, como ocorre nos EUA, na Inglaterra e em outros países. Telenovelas, herdeiras do folhetim, baseiam-se mais na trama (e subtramas) do que em seus personagens.

Contêm cerca de 180 a 200 capítulos – unidades narrativas não independentes e organizadas numa determinada sequência – e duração de oito a dez meses. Já as séries/seriados estrangeiros citados, podem abrigar capítulos (enovelados), episódios (independentes, aptos a serem vistos sem que seja necessário compreender seu “universo” fundador) e/ou unidades que combinem ambas as características, que nomeamos capisódios por serem escritos em pelo menos duas camadas: uma para deleite do telespectador que desconhece o programa, mas está familiarizado com o ritmo e as estratégias dramatúrgicas das séries e; outra para o telespectador fiel ao programa, guardião de sua memória, “graduado” a ponto de saber que nem tudo será resolvido ou explicado numa única exibição.

Para Thompson (2003), a ilusão de densidade dramatúrgica dos seriados norte-americanos pode ser explicada por diversos fatores: a substituição do antes exclusivo episódio fechado pelo capítulo (ou capisódio); a multiplicidade de tramas associadas a arcos mais longos de história, o que tem permitido muitos arranjos entre grandes números de personagens, temporalidades e, por conseguinte, espacialidades. [8]

Como a autora, Starling Carlos (2006) acredita que uma série [norte-americana] assume maior complexidade dramatúrgica graças à sua longa duração, que permite “ampliar o número de personagens, desenvolver suas personalidades, temperamentos e ações em um nível extremo de detalhe e, ao mesmo tempo, estabelecer inúmeros laços dramáticos entre eles” [9]

Ainda de acordo com Starling, um dos “segredos” da longevidade das séries está justamente na perspectiva de sua transformação, proporcionada não só pela longa duração, como pelo envelhecimento de três de seus “agentes”: o telespectador, o ator e o personagem. [8] A esses, somo o autor. Um quádruplo envelhecimento, portanto.

Nesse sentido, não é exagero afirmar que a teledramaturgia brasileira, ao se lançar na construção de universos ficcionais transmidiáticos, terá que analisar, rever e aprofundar técnicas e conhecimento acerca de novas formas de serialização que privilegiem sua dramaturgia, tida aqui como criação de personagens, tramas e universos ficcionais capazes de abrigar extensas temporalidades.

Danuser (2009/08), por exemplo, informa que o projeto de jogo transmidiático que coordena no momento (Copernicus) abarca 10 mil anos de história, profundidade e detalhamento tais que torna possível a “entrada” e o desenvolvimento de narrativas, facilitando, dessa forma, a criação de novas tramas dentro de seu mundo. [10]

Conclusões

Crescem em número e tipos as telas e suas dramaturgias. A teledramaturgia já não mais se restringe à televisão, nem mesmo ao cinema, mas invade computadores e quaisquer outros veículos de difusão de imagens e sons em telas eletrônicas as mais plurais (ônibus, aviões, outdoors, celulares, dentre tantas outras).

Na paisagem digital, imprimem-se novos contornos ao campo da criação audiovisual, de onde emergem públicos desejosos de consumir obras em fluxo. Para o roteirista, principalmente para aquele que está se lançando no mundo narrativo transmidiático, importa dominar os princípios da dramaturgia, exercitar estruturas de programas seriados e estratégias de espraiamento de suas narrativas, conciliando experiência, criatividade e talento com imposições empresariais, inovações, renovações (e repetições) e alterações de padrões e regras vigentes. Além disso, ressalta-se que o trabalho de criação em equipe já se consolidou como prática corriqueira. O animador Preston Blair (1910-1995) dizia que um dos seus prazeres estava em ver seu personagem “movimentar-se em cena falando através de movimentos apropriados de lábios e adicionando gestos que complementam sua composição, tornando-se um ator com personalidade própria.” [11].

Da mesma forma, um dos grandes prazeres que pode sentir o roteirista ao assistir a um programa que escreveu é saber que seu trabalho só se materializou pela existência de uma equipe e que, assim (ou por isso) mesmo, sua criação tem espaço reservado naquela obra.

Finalmente, não se pode deixar de lembrar da importância das histórias. Como diz Weisman (2009/08), somos por natureza contadores e apreciadores de histórias, criadores de universos que abrigam pessoas à nossa semelhança [12], ainda que sejam muito diferentes em suas culturas, origens e perspectivas existenciais.

Referências [1]WEBSTER, Chris. Animation: the Mecanics of Motion, Focal Press, 2005. [2] SCOTT, Jeffrey. How to write for animation, Overlook, 2002. [3] MARX, Christy. Writing for animation, comics and games, Focal Press, 2007. [4] WRIGHT, Jean Ann. Animation writing and development. From script development to pitch, Focal Press, 2005. [5] WEBBER, Marilyn. Feature Animation Writing. Annandale, VA: GGC Inc. Publishers, 2002. [6] SCOLARI, Carlos Alberto. “A construção de mundos possíveis se tornou um processo coletivo”, Revista Matrizes, Ano 4, No 2, jan./jun. 2010, pp. 53-67. [7] JENKINS, Henry. Cultura da Convergência, Aleph, 2008. [8] THOMPSON, Kristin. Storytelling in Film and Television, Harvard University Press, 2003. [9] STARLING, Cássio. Em tempo real: Lost, 24 horas, Sex and the City e o impacto das novas séries de TV, Alameda, 2006. [10] DANUSER, Steve. “Creators of Transmedia Stories”, disponível em: http://narrativedesign.org/2009/08/creators-of-transmedia1-steve-html/. Acesso em 23 de Nov. 2011. [11] BLAIR, Preston. Cartoon Animation, Walter Foster Publishing, 1994. [12] WAISMAN, Jordan. “Creators of Transmedia Stories”, disponível em http://narrativedesign.org/2009/08/creators-of-transmedia-stories-html/. Acesso em 23 de Nov. 2011.



Iara Sydenstricker, scriptwriter and postdoctoral fellow in the Area of Arts (audiovisual dramaturgy), with a research grant form Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), Rua Aristides Novis, 203, Colina de São Lázaro, 40210-720, Salvador, BA, Brazil. Board member of the Associação dos Roteiristas de Televisão, Cinema e outras mídias (AR), iarasyd.audiovisual@gmail.com

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