Contratada para integrar o time de roteirista da TV Record, Ana Maria Moretzsohn revela nessa entrevista um pouco da sua história, que também se confunde com a da televisão brasileira.
Patricia Oriolo: Eu gostaria que você descrevesse como foi a sua trajetória profissional? Ana Maria Moretzsohn: Sou formada em Jornalismo pela ECO. Trabalhei como repórter e redatora da Rádio Jornal do Brasil (nos anos 70). Trabalhei na confecção das Enciclopédias Barsa e Mirador com Antonio Houaiss. Em Jornalismo ainda trabalhei para Manchete, revistas da Abril. Escrevi livros de ficção para as Edições de Ouro. Minha formação começou muito antes. Li muito cedo e muito. Meus pais tinham uma enorme biblioteca (com livros encadernados em couro e com o nome deles em letras douradas… eu achava aquilo o máximo do charme). Aos 11 anos já havia devorado todos os clássicos e consegui permissão para ir além e conheci Eça, Balzac, Dostoiewski… Sempre escrevi. No colégio – Santa Úrsula – escrevia histórias em capítulos que a turma inteira lia… Praticamente folhetins.
Patricia Oriolo: Como funcionava a Casa de Criação Janete Clair? Ana Maria Moretzsohn: Enviei material para lá e fui selecionada. Lá fiz grandes amizades e entrei em contato com quase todos os autores. Tínhamos aulas, exercícios, tutoria. Era uma festa, uma alegria… Tanta gente inteligente, criativa… Um espírito de equipe formidável! Quando terminou o curso alguns ficaram para estágio e escreveram teletemas, desses uns foram contratados. Foi nessa época que nasceu minha enorme amizade (hoje irmandade) com o Ricardinho Linhares.
Patricia Oriolo: Você trabalhou como colaboradora de Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares, fale um pouco do trabalho junto com os dois autores? Ana Maria Moretzsohn: Na verdade Aguinaldo Silva com sua peculiar magnanimidade nos brindou com co-autoria e não colaboração. Amávamos trabalhar junto. Era tudo festa e riso. Com ele eu e Ricardo aprendemos a ser criativos e também caretas (entregar tudo em dia, ficar atento a tudo, tratar novela com uma dedicação infinita).
Patricia Oriolo: Qual foi a grande dificuldade que você sentiu quando deixou de ser colaboradora e passou a ser a autora principal? Ana Maria Moretzsohn: Praticamente nenhuma. Tive boa escola. Sou flexível. Comecei como autora principal na Band onde havia extrema necessidade de trabalhar lado a lado com a produção – ou não haveria novela. Acabava de escrever e ia para a ilha de edição supervisionar – era um acerto com a Band. Formei excelentes colaboradoras que estão na Globo, brilhando.
Patricia Oriolo: Como nasceu a idéia para a implantação de Malhação? Ana Maria Moretzsohn: Maltarolli, Emanuel Jacobina e Patrícia Moretzsohn escreveram um piloto muito interessante, com redação final do Charles Peixoto, que foi gravado. Talma assistiu e apontou os problemas básicos. Achou que, para engrenar, era necessário autores com mais experiência em novela para fechar o formato. Chamou a mim e a Ricardo Linhares. Mantivemos a idéia inicial, tudo que era bom para funcionar e criamos um núcleo familiar (donos e filhos na academia) para poder fazer a história “render” como era necessário. Fazíamos reuniões para decidir as histórias (era uma por semana). Ricardo e eu escaletávamos, Andrea, Emanuel e Patrícia escreviam e o roteiro final continuou sendo responsabilidade do Charles. Queriam que atingisse 14 no ibope (na época um bom número para o horário) demos mais de 30. Ricardo e eu ficamos uns dois anos e passamos a bola adiante… E ela continua rolando e dando ótimo ibope!
Patricia Oriolo: Como é o seu processo de criação? Ana Maria Moretzsohn: Não sei responder a essa pergunta. Sou estivadora (aprendi com Aguinaldo) não acredito em “hoje não estou inspirada”. Tenho um trabalho a fazer e faço. Coleto idéias e assuntos por aí e arquivo, quanto me pedem uma novela releio vejo o que há de aproveitável e vou em frente.
Patricia Oriolo: Você presenciou grandes mudanças na TV brasileira, como você descreve esse momento da teledramaturgia no país? Ana Maria Moretzsohn: Acho que esse é um momento estranho. Ao mesmo tempo em que o monopólio está sendo quebrado há, nitidamente, uma queda de exigência do público. Isso devido ao fato de que há mais gente de classe D e E do que antigamente. Temos que chegar a esse público mais ingênuo, menos sofisticado… Mas sou contra menosprezar a inteligência deles e entregar produtos de nível baixo. Acho que temos que achar o meio e daí a virtude!
Patricia Oriolo: Newton Cannito descreveu a importância da vivência no processo de criação, você também acha importante? Ana Maria Moretzsohn: É mais importante para cinema e teatro. Para TV, onde os assuntos são mais abrangentes uma boa pesquisadora resolve a não-vivência.
Patricia Oriolo: Que tipo de história você não escreveria e por quê? Ana Maria Moretzsohn: Nunca pensei nisso. Não gosto do ultra-realismo.
Patricia Oriolo: Fale um pouco sobre o livro que escreveu com a sua filha Patricia Moretzsohn. Ana Maria Moretzsohn: Foi o primeiro de uma série (Bonita Luz) São histórias de mistério, suspense e tem como característica original uma menina atéia que entra em contato com religiões, além do fato de que cada história se passa em uma cidade brasileira. O primeiro foi em Tiradentes, o segundo, sobre religiões afro, se passa em uma cidade pequena, na Bahia. O primeiro já vai virar filme!
Patricia Oriolo: Aliás, ser roteirista é uma profissão da sua família, seus filhos também seguiram o mesmo caminho. Como eles fizeram essa escolha? Ana Maria Moretzsohn: É verdade. Escolheram direção de cinema, roteiro, direção de TV, atuação. Nós vivemos num mundo mágico, fascinante e livre. É fácil ganhar de um mundo engravatado e com relógio de ponto!
Patricia Oriolo: Você está escrevendo um roteiro para o cinema, fale sobre esse trabalho. Ana Maria Moretzsohn: Eu estou aprendendo com meu filho Gustavo ( risos) que é roteirista de Ódiquê – que breve estará no circuito. Tive muito tempo esse ano e resolvi tentar coisas novas como teatro, literatura e cinema. O roteiro ainda é incipiente e o título é “Erótica”!!!
Patricia Oriolo: Que tipo de relação é ideal para você entre o ator e o autor? Ana Maria Moretzsohn: Não sou autora que se esconde de atores. Tenho vários amigos atores. A relação boa é: eu te dou um bom personagem e você o interpreta bem.
Patricia Oriolo: Na sua avaliação a novela corre o risco de acabar? Ana Maria Moretzsohn: Acabar nunca. Transformar-se talvez.
Patricia Oriolo: Qual é o seu processo para a criação de uma sinopse? Ana Maria Moretzsohn: Tendo o tema, seleciono o mais importante para “vender” a história. Cada sinopse é diferente. Procuro dar à sinopse o “tom” que quero na novela.
Patricia Oriolo: Como é o seu trabalho para a adaptação de textos da literatura para a televisão? Ana Maria Moretzsohn: Adaptação tem que ter liberdade. Fui parceira do Aguinaldo Silva na adaptação de Riacho Doce – de José Lins do Rego. Alguns críticos meteram a colher. Adaptei também Serras Azuis de Geraldo França de Lima (e mais outros dois romances). Ele era um doce. Amou a novela (morreu faz pouco, era bem velhinho) Não ligou nem um pouco (até elogiou) os “acertos” que fiz com personagens e tramas.
Patricia Oriolo: Como você acha que será o trabalho do autor na era da TV Digital? Ana Maria Moretzsohn: Caraca!!! Não faço a mínima idéia!
Patricia Oriolo: Qual a novela que você gostaria de ter escrito e por quê? Ana Maria Moretzsohn: Acho que Dancing Days. Entre outras coisas — curti, adorava a história, os personagens — porque foi quando eu meio que descobri que queria ser autora de novelas.
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