top of page

Roteiro 1- O Início

De um modo geral, nós roteiristas ou dramaturgos ao depararmos com um papel em branco (ou uma tela de computador), quando vamos nos lançar ao desafio de escrever uma peça teatral ou um roteiro cinematográfico, deparamos com o primeiro desafio que é exatamente o “por onde começar”.

Repetindo o que professores de roteiro como Doc Comparato, Newton Cannito, Marcos Rey, etc. já disseram em suas obras: numa estrutura clássica de um roteiro, este começa com uma situação onde em breve vai gerar um problema, de onde ocorrerá uma situação estabilizadora e a partir daí o conflito que vai conduzir a história em diante. Mas, uma vez que o roteiro não é uma ciência exata, esse ponto de partida é a nossa primeira barreira a transpor e como chegar lá é o desafio do autor ou roteirista.

Pode-se notar nas famosas produções hollywoodianas de filmes com super-heróis tal qual James Bond, Indiana Jones, etc. De um modo geral tais filmes começam sempre com uma história de ação antes do filme propriamente dito. No primeiro filme da série Indiana, o personagem de Harrison Ford se viu obrigado a pegar uma estatueta no fundo de uma caverna e, em consequência, ao pegá-la, a caverna começou a se desmoronar, ele teve que saltar abismos e até mesmo escapar de uma gigantesca pedra redonda que quase o esmagou, até que o arqueólogo conseguiu escapar com vida de todos aqueles perigos, provocando verdadeiras gargalhadas no público. Foi o primeiro filme da série, o roteiro ainda não havia adentrado dentro da história que viria a seguir mas, neste prólogo, o roteirista apresentou ao público o herói, numa forma de dizer-lhe que tratava-se de um homem destemido e disposto a enfrentar aventuras que viriam pela frente.

Notem que a situação não é diferente nos filmes do agente 007, ou dos valentões vividos por Bruce Willys, onde uma sequência rápida irá mostrar ao público uma boa soma de aventuras que virá por ali.

Deixando de lado os super heróis yankes, uma forma usada pelos roteiristas para prender a curiosidade do espectador é exatamente começar o filme com um flash-forward, ou seja, uma cena que revela parcialmente algo que acontecerá e, a partir daí a história começa a ser contada em flash-back. Imaginem um filme ou uma minissérie onde o protagonista na primeira cena mostra seu caráter, ou seja, um assaltante destemido capaz de tirar uma arma e gritar “Isso é um assalto!”; em seguida, começa a história sendo narrada em flash-back, onde o assaltante da primeira cena é um jovem pacato e tímido. Esse paradoxo vai prender a atenção do público em querer saber o que levou aquele jovem a mudar de personalidade.

Tome-se como exemplo da cena descrita acima a primeira da minissérie Anos Rebeldes, produzida e transmitida pela Rede Globo, entre 14 de julho e 14 de agosto de 1992, escrita por Gilberto Braga e Sérgio Marques. E para os mais saudosistas, talvez serão capazes de lembrar do filme “Love Story”, onde o personagem de Ryan O’Neal caminha tristonho por um jardim, senta-se num banco de praça e se põe a chorar. Entra o flash-back onde ele é um rapaz normal, tranquilo a caminhar pelas ruas, vem a indagação do público: “O que pode ter acontecido para ele estar naquela fossa?”

De um modo geral, nas primeiras cenas deverá o roteirista mostrar ao público um pouco da personalidade do protagonista ou do universo em que ele viverá no decorrer da ação. No início do filme Chinatown, o detetive vivido por Jack Nicholson atende a um indivíduo que é um tipo vagabundo, semi embriagado, maltrapilho. Para acalmá-lo, Nicholson abre um armário onde tem bebidas das mais variadas, quais sejam, desde uísques finos até aguardentes (daquelas que matou o guarda), que é exatamente a que vai servir para o recém-chegado.

Este simples gesto já nos mostra que tal detetive é profissional, que tem todo tipo de cliente e o armário por si só já mostra-os. Um outro exemplo é o personagem Paul, vivido por Marlon Brando em “O Último Tango em Paris”. Logo na primeira cena vamos vê-lo embaixo de um pontilhão onde passa o metrô, tendo um ataque histérico e gritando:

“Maldição!Maldição!” Podemos ver que ali está um homem totalmente transtornado com uma tragédia que o abalou (o suicídio da sua mulher), nada é capaz de tirar-lhe aquele pensamento trágico, nem mesmo quando Jeanne, interpretado por Maria Schneider, passa ao seu lado, tranquila como uma garota.

Observe o contraste entre ambos os personagens que, dali a instantes, ambos estarão vivendo uma tórrida relação afetiva quando se verem a sós dentro de um apartamento que pretendem alugar. Vale a pena lembrar que a ideia do filme veio das fantasias eróticas de Bertolucci, que certa vez viu uma bela mulher desconhecida na rua e imaginou ter relações sexuais com ela sem nem saber quem era.

Por outro lado, falando na exposição do problema antes que os protagonistas venham a ser conhecidos, ou seja, preparar o terreno para a ação dramática, vamos buscar exemplo na famosa peça teatral de Shakespeare, Romeu e Julieta, onde esta tem início com uma briga de rua entre os membros da família Capuleto e Montechio. Esta rivalidade demonstrada no início da peça já é o prenúncio do grande problema e do conflito que norteará a história.

Vamos tomar um exemplo no cinema e citar Casablanca. Notório por conciliar suspense, aventura, intrigas, amor platônico, triângulo amoroso, comentários políticos, humor e Segunda Guerra Mundial sem soar indigesto, o roteiro de Casablanca ainda tem alguns dos diálogos mais famosos do cinema. Não à toa, portanto, o Writers Guild of América escolheu-o como o melhor script de todos os tempos em sua primeira lista dos 101 mais.

Se analisarmos o filme, veremos que o protagonista Rick (vivido por Humphrey Bogart) irá aparecer apenas aos nove minutos de filme. Antes disso, o espectador vai ver o ambiente hostil onde se desenrolará a história, qual seja, num ambiente hostil durante a segunda guerra mundial, exatamente numa cidade onde vigora a lei do mais forte, ali impera a ambição e a falsidade, o indivíduo deve desconfiar da sua própria sombra.

Neste cenário vai surgir o protagonista que não é diferente de ninguém, é um homem frio, calculista, estrategista, arrogante e cruel, se considerando acima de toda regra e conduta, vendo todos como obstáculos, que devem ser retirados do caminho. Passa por cima das pessoas sem importar-se com nada, só em conseguir o que deseja. E tão solitário a ponto de que vamos vê-lo neste início jogando xadrez sozinho em seu bar.

E falando na telenovela, também é comum que o roteirista prepare o campo para quando o protagonista entrar em cena. Um bom exemplo tem a famosa novela “Roque Santeiro” onde em seus primeiros capítulos iremos ver uma cidade em algum lugar no Brasil, dominada pelo coronelismo e que tem sua fonte de renda em cima da memória de um homem considerado mártir e venerado como santo. Entretanto, a partir do capítulo 29 o citado homem dado como morto decide voltar à sua cidade, se impressiona com a lenda criada em torno dele. A partir dali cria-se o conflito que tornou-a uma das novelas que revolucionaram a teledramaturgia no Brasil.

157 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page