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O processo criativo na série “3%”

Ficção científica e ousadia na primeira série brasileira da Netflix

por Felipe Sant’Ângelo e Thiago Dottori

Primeira série brasileira produzida pelo Netflix, 3%, criada por Pedro Aguilera e escrita por ele, Jotagá Crema, Cássio Koshikumo, Ivan Nakamura e Denis Nilsen, estreou em Novembro com enorme repercussão no Brasil e no mundo.

Para conhecer um pouco mais sobre os bastidores do processo de criação dessa série, a ABRA entrevistou o criador Pedro Aguilera e o diretor e roteirista Jotagá Crema.


Muitas críticas tem apontado que 3% surfou na onda das histórias distópicas como Hunger Games, por exemplo, como se o projeto tivesse nascido recentemente, mas 3% é um projeto muito mais antigo, não? Quando começou a história e, se vocês puderem comentar, como foi “O Processo” para que ele se tornasse a primeira série nacional da Netflix?

Pois é, o projeto começou em 2009. Nós já estávamos trabalhando juntos em vários projetos quando surgiu o edital do FIC-TV para pilotos de séries. Na época eu estava bastante influenciado pela leitura de distopias como 1984 e Admirável Mundo Novo, e uma das coisas que mais me atraíam nos conflitos dos jovens era a dificuldade de entrar no mercado de trabalho e outros tipos de seleção (nós também éramos bem jovens na época, com a idade praticamente igual aos personagens…), por isso pensei em exagerar essa característica da nossa sociedade, criando esse processo único, cruel e intenso. Ganhamos para filmar o piloto e montar uma bíblia. Filmamos com uma equipe sensacional e aprendemos muito. Acabamos não ganhando a 2ª fase do edital que financiava a série inteira, mas no final das contas foi o melhor que podia acontecer. Anos depois jogamos o piloto no Youtube e ele foi muito bem recebido pelo público brasileiro e internacional também (até mandavam legendas em várias línguas para acrescentarmos no vídeo). Ficávamos mandando emails para uma centena de jornais e sites do mundo inteiro, e graças à uma matéria na Wired, o Erik Barmack, VP da Netflix, assistiu e ficou empolgado – ou seja, se não tivéssemos colocado na internet e os fãs antigos não tivessem feito o barulho que fizeram, a série não existiria.


Como foi o processo de escrita de 3%? Vocês trabalharam em Sala de Roteiro?  O que já tinha antes de entrar na sala, o que foi desenvolvido na sala, e o que cada um levou pra fazer em casa pós-sala de roteiro?

Antes de entrar na sala, tínhamos uma bíblia que ia sendo retrabalhada nos (longos) anos. Tínhamos personagens principais e sinopses de 1 página para cada episódio. Além disso, muita discussão sobre como é o universo da série – muita coisa que ainda não coube na 1ª temporada da série. Ficamos bastante tempo desenvolvendo os arcos dos personagens e o arco das provas do Processo. Depois disso, escrevemos escaletas e roteiros – que eram escritos em casa e depois rediscutidos na sala. E depois dos roteiros, infinitas reescritas, como é praxe.


Falando da Sala de Roteiro especificamente, quanto tempo, quantos roteiristas na equipe, como eram as jornadas de trabalho na sala de roteiristas? E como funciona a hierarquia na sala de roteiro? 

Escrevemos com 4 pessoas na sala de roteiro, por um período de uns 5-6 meses, reuniões todas as tardes, comigo (Aguilera) tocando a sala. E depois mais vários meses de reescrita dos roteiros, incluindo na pré-produção também.


Muito se fala na figura do showrunner, um papel que a gente ainda não assimilou completamente no Brasil – que seria um produtor executivo que toca desde a criação até a entrega. Como foi com vocês? O Aguilera, como criador da série, participou de decisões de produção e pós-produção?

Aguilera: Eu estava envolvido em parte. As decisões estavam diluídas entre bastante gente: eu, a direção (Cesar, Daina Giannecchini, Dani Libardi, Jotagá Crema) e o produtor Tiago Mello.


Qual relação criativa com os diretores? 

A relação criativa com os diretores é enorme e intensa. Além da relação nas reescritas de roteiro, desde bem antes de começar a pré, já estávamos discutindo as histórias, o tema da série e o universo. E como estávamos todos construindo um mundo novo, tinha muita coisa a ser discutida e criada.


Como é a relação com a Netflix? Qual o papel da Netflix no desenvolvimento da dramaturgia?

Tivemos conversas muito ricas com executivos do Netflix, principalmente com a Kelly Luegenbiehl. Eles estavam super interessados, liam todas as versões de roteiro e tivemos discussões muito ricas. É uma relação muito importante, principalmente quando você sente que o executivo entende a emoção na qual você quer chegar e tem a compreensão dos conceitos dramáticos para discutir como é possível potencializar o efeito desejado, ou apontar quais sensações ainda não estão sendo passadas.


Como foi a relação dos atores com o texto? Houve adaptações depois da escolha do elenco? 


Jotagá: Os atores sempre tiveram uma relação íntima com o roteiro desde o início do processo. A preparação foi feita por Christian Duurvoort e foi muito focada no desenvolvimento dos personagens para se aproximarem das ações propostas no roteiro. E os atores estavam muito interessados nas curvas e motivações de seus personagens, sempre perguntando coisas para a direção e para o Aguilera. Os diretores estavam em vários momentos e o Aguilera aparecia nos ensaios para ter insights sobre os diálogos para cada personagem.

Acredito que a preparação seja um processo não apenas de atores, mas muito ligado ao desenvolvimento de uma linguagem comum entre atores, diretores e roteiristas. É um espaço super importante para se experimentar com os personagens em cena, notando todas as questões necessárias para a dramaturgia ganhar vida.


Pensando em termos de representatividade, acho que a série tem um aspecto muito positivo, com muitos personagens negros, por exemplo. Isso já estava definido no roteiro? (Até houve uma polêmica em cima de um email do produtor de elenco, se quiserem comentar). 

Desde o início do desenvolvimento desta temporada, tanto roteiro quanto direção, produção e Netflix apoiavam a ideia de fazer uma série com um elenco que refletisse a realidade racial brasileira. E é muito bonito ver como isso faz a diferença na tela.


Recentemente, numa disputada mesa da Comic Con, foi anunciado a segunda temporada de 3%. Quanto vocês já tinham planejado em relação às temporadas, e quanto isso foi se transformando? Há um limite de temporadas em mente?

Estamos construindo um universo rico e complexo em 3% que possibilite muitas temporadas e obras derivadas. Planejamos várias histórias e elementos de universo que irão até o fim da série em várias temporadas, mas assim como tudo, essas ideias vão se refinando e evoluindo bastante ao longo do desenvolvimento.


Como está sendo a recepção da série pelo público e ou tv? A estreia da série e a recepção de crítica e público influenciam no processo de criação da nova temporada?

A recepção do público ao redor do mundo está sendo surpreendentemente boa, com muito engajamento nas redes sociais. Já com a segunda temporada em mente acompanhamos as muitas críticas e textos ao redor da internet. Pensamos constantemente em como evoluir a série, deixando-a cada vez mais forte para nosso público.


Tenho a impressão de que a crítica brasileira tem sido muito ácida com o projeto, ao passo que a crítica internacional tem sido muito mais receptiva. Vocês ousaram em fazer um gênero pouco explorado no Brasil, de ficção científica. Como tem percebido essa crítica? Como vocês lidaram com limitações de orçamento, dentro do roteiro, para realizar um gênero que custa caro?

Creio que essa crítica de uma parte da crítica e uma parte do público toda venha da ousadia do projeto e da falta de costume com thrillers distópicos falados em português em nossa cultura. Porém, temos um público gigante que consegue assistir à série apesar das limitações e criar um engajamento super intenso tanto com os personagens quanto com o universo e as histórias da série.

Limitações sempre teremos em produtos Audiovisuais. Fizemos o nosso melhor com o recurso que tínhamos e com a talentosa equipe que fez a temporada. Aprendemos com erros e estamos ouvindo as críticas para evoluir cada vez mais. Para solucionar tudo o que o roteiro pedia tivemos que ser muito criativos para fazer “gambiarras” que os gringos jamais fariam. Mas no fim, todo esse trabalho dá uma cara única para série.


Quais virtudes um roteirista precisa ter para passar pelo Processo e se tornar roteirista de 3%?

Amar fazer dramaturgia de gênero, saber trabalhar em equipe na Sala de Roteiro, entender de estrutura e não ter medo de reescrever e reescrever e reescrever…


Novos projetos? 

Aguilera: Participei como roteirista em dois longas que serão lançados no ano que vem – La Vingança (que só por coincidência divido crédito com, entre outros, Thiago Dottori e Felipe Sant’Ângelo, que mandaram essas perguntas, rsrs) e Historietas Assombradas o Longa (que escrevi com Arthur Warren e Vitor Brandt).

Jotagá: Estou escrevendo um longa de suspense com o Aguilera, uma ficção científica cyberpunk com a Ludmila Naves e estou dirigindo um projeto de série de comédia adulta, escrita por Felipe Sant’Ângelo, com colaboração do Thiago Dottori.

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