Parece-me bem visível que não há condições consistentemente criadas para a sustentação de um esquema que ajude na revelação de jovens talentos para a escrita de teledramaturgia.
Percebo que nessa área a coisa é muito mais pontual, talvez ocasional, ou ainda fruto de um golpe de sorte, para que possamos ver um jovem autor despontar e mostrar a que veio com a sua telenovela ou minissérie. Estamos como que subtraídos de algo mais consistente em termos de efetiva estratégia de formação, especialmente, para o escritor de folhetim.
Sabemos que a telenovela é um produto industrial, como dizem alguns, o filé mignon de uma emissora de televisão, e, se fosse somente por isto, já se justificaria a necessidade de se pensar seriamente na formação e continuidade artística dos que gostam de escrever muitos personagens e conviver com eles nessas muitas histórias.
Prova disso foi a entrevista concedida por Sílvio de Abreu à Folha de São Paulo, em 18/01/2004, com o título “Novelas em Xeque”, na qual ele confirma essa realidade de que estamos meio sem eira nem beira não só quanto à descoberta de novos autores, mas também quanto a questão da transmissão do conhecimento básico e facilitador da escrita de um produto cultural como a telenovela. Disse Sílvio naquela oportunidade: “a novela é o esteio da Rede Globo, e é nossa obrigação passar o conhecimento. (…) a única maneira de a novela ficar interessante é ela se renovar. É grave se fica sempre a mesma coisa, se não aparece nada de novo. Claro que continuam existindo os grandes autores já conhecidos, mas o bom é que convivam o novo e o velho. (…) queria que surgissem outros autores para fazer o que eu estou fazendo, é um trabalho importante”.
Não é necessário ser autor conhecido para passar o conhecimento de como estruturar uma telenovela. Basta sim conhecer metodologias de estruturação de histórias e personagens, e quanto a isto, penso, muitos escritores conhecem bem. Faltam condições estruturais de incentivo – leia-se fomentos bem planejados – para que haja ensino, coordenação e acompanhamento em processos de boa formação e, naturalmente, inserção de novos talentos no mercado de trabalho em emissoras de televisão.
Lógico que isso seria contundente se começássemos com a aprovação da cota de tela para a teledramaturgia nacional – uma bandeira de nossa Associação de Roteiristas – como lei de radiodifusão a ser cumprida pelos proprietários das concessões de emissoras de tevê, porque, uma vez em prática, a lei da cota de tela sinalizaria para a necessidade de novos autores nessa área, requerendo, em conseqüência, que se pensasse em um plano de estruturação de fomento a jovens autores de nossa tão cara dramaturgia.
Montar uma telenovela exige conhecimentos de arquitetônica ficcional, isto é, saber manipular criativamente projetos macro e microestruturais para personagens e histórias. Na medida em que se pensa em uma história aberta, com muitos plots, surpresas e reviravoltas, necessário é buscar métodos macroestruturais facilitadores como, por exemplo, relacionar os pontos-chave relativos à história principal da novela, digamos que os marcos principais com os quais o novelista se guiará ao longo dos “grandes” acontecimentos da história, aos quais estarão ligados seus personagens cujas ações também podem ser observadas de modo organizado e coordenadamente, através de pontos nucleares construídos à base de uma progressão dramática que determinará o arco de cada um dos personagens principais da novela.
Será a partir disso então que o autor poderá elaborar os plots semanais da novela, as seqüências que forem desdobradas desses enredos, as trilhas dramáticas (com seus objetivos principais), que servirão à composição das cenas e suas variações dentro de capítulos diários.
A criatividade faz parte do talento do escritor, mas a forma estrutural da ficção muitas vezes não vem junto com ela. Esse procedimento é imprescindível quando se trata de escrever porções de histórias paralelas e entrecruzadas. Faz-se necessário trabalhar a base para que a criatividade esteja livre de preocupações estranhas a ela.
Mas uma ação conjunta e estruturada não deve estar restrita apenas dentro do processo autoral. Será preciso também haver um mercado potencial que absorva jovens talentos ávidos por ingressar nessa atividade. E se fizesse um levantamento estatístico, possivelmente eles não imaginariam que há meios possíveis de serem tecnicamente acompanhados em seus projetos de telenovela.
Vale ainda a máxima no meio autoral: conheça bem as regras e depois as quebre com seu estilo e categoria. Porque, como disse Sílvio de Abreu, “a única maneira de a novela ficar interessante é ela se renovar”. Acho então que a campanha já ganhou um novo aliado: eu.
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