por Tiago Santiago
Quando conheci Luiz Carlos Maciel, na Casa de Criação de Janete Clair, no final dos anos 80, ele era para mim um ícone, no mesmo nível do Dias Gomes e do Ferreira Gullar, que também andavam ali pela bela casa da rua Corcovado, no Horto carioca. O Maciel era o “guru da contracultura”, um dos revolucionários do jornal “O Pasquim”, que peitou a Ditadura Militar, com irreverência e inteligência.
Autor da coluna “Underground”, o Maciel praticamente introduziu a literatura beat no Brasil, e foi peça fundamental para a consolidação do movimento tropicalista. Maciel era amigo do Glauber Rocha, do João Ubaldo Ribeiro, do Caetano Veloso, do Daniel Filho e do Domingos Oliveira, só para citar alguns. Tinha mesmo esta capacidade inesgotável de fazer amigos, principalmente onde via talento.
Naquelas tardes memoráveis, na Casa de Criação, Maciel me ensinou muito sobre técnicas de roteiro. A unidade em função do clímax foi um dos primeiros conceitos que ele me passou. Seu livro “O Poder do Clímax”, publicado já neste século, é extraordinário e resume bem seu vasto conhecimento sobre as técnicas do roteiro.
Sábio, erudito, suas conversas sempre abordavam temas variados, todos do meu interesse: filosofia, cinema, literatura, jazz, LSD, cannabis, a obra de Castañeda, as dimensões astrais, o inconsciente, mitos e sonhos. Não à toa, o mestre virou meu amigo. Tornei-me visitante frequente do seu apartamento no Leblon, onde ele vivia cercado de gatos, com sua esposa Maria Claudia, musa das novelas do Cassiano Gabus Mendes, uma das mulheres mais lindas de sua geração, estrela de muitas capas de revista e de muitas novelas da Globo.
Em 1990, o Maciel foi o supervisor de meu primeiro texto para a TV Globo. Assim como eu, o Maciel formou toda uma geração de novos autores-roteiristas, tanto em seus cursos independentes como em sucessivas turmas da Oficina dos Autores da TV Globo. Maciel foi mestre e guru de muitos novos talentos. Lembro da força que ele deu para Heloísa Perissé e Angela Chaves, entre muitas outras pessoas. Maciel mudou a vida de muita gente. Maciel trabalhou pelo menos vinte anos na Globo, onde ajudou inúmeras novelas com suas análises sempre brilhantes.
Também nunca deixou de fazer Teatro. Não por acaso, ele participou da histórica montagem de “O Rei da Vela” e foi o primeiro diretor de uma peça de Plinio Marcos. Lembro do Paulo Coelho praticando um ritual na coxia do Teatro Villa-Lobos, mentalizando sucesso para minha adaptação de “Brida”, com ótima encenação do Maciel. Outro momento marcante foi a direção de “Jango”, superprodução com texto do Glauber Rocha, que o Maciel encenou.
Tive a oportunidade de trazer o Maciel para trabalhar na Record, onde ele escreveu comigo alguns dos maiores sucessos daquela emissora, “Prova de Amor” , “Caminhos do Coração” e “Mutantes”. Ainda na Record, o Maciel idealizou e conduziu comigo o Concurso de Novos Autores, que trouxe novos talentos para a emissora, inclusive a novelista Gisele Joras, cujas novelas o Maciel supervisionou.
Fui visitar o Maciel, há três meses, sem saber que era de fato nossa despedida. Encontrei-o em reunião com um jovem roteirista, muito empolgado com o novo talento. Maciel continuava a ensinar, até o fim da vida. E continuará ensinando, através de sua obra. Chorei a passagem do Maciel como não tinha chorado a de nenhum outro mestre. Meu melhor consolo é que ainda podemos ouvi-lo, conhecer seus pensamentos, através de seus ótimos livros. A obra do Maciel vive. Aproveitemos, enquanto vivermos.
Tiago Santiago autor de telenovelas, ator, roteirista, consultor de dramaturgia e formador de novos autores, é membro da ABRA.
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