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Upurga é um thriller lisérgico escrito por um brasileiro, uma sérvia e um letão que aborda a mitologia da Letônia que se passa em uma floresta.
A convite do roteirista e diretor Ugis Olte, o roteirista e associado da ABRA Lucas Abrahão é um dos roteiristas do longa-metragem “Upurga”. O roteiro acompanha a trajetória de Andrejs, um jovem e cauteoso instrutor de rafting, acostumado a levar seus clientes em viagens pelo rio, mas que perde o seu sistema rígido de controle quando, em uma noite, uma equipe publicitária inteira desaparece sob seus cuidados. Para encontrá-los, Andrejs é forçado a se aventurar sozinho por uma floresta repleta de eventos sobrenaturais, confrontando no caminho seus medos mais profundos.
Lucas é roteirista brasileiro que transita entre vários estilos, formatos e países. Atualmente, escreve dois longas-metragens, com Kauê Telloli (Volume Morto) e Jotagá Crema (3%) – ambos os projetos financiados pelo PROAC. Participou da série Cienfuegos (Turner TV) e é professor de roteiro no Instituto de Cinema de São Paulo e no Instituto Drakadeemia, na Estônia. É mestre em roteiro pelo curso KinoEyes, que se desenvolve entre Portugal, Escócia e Estônia, e escreveu, entre outros, o longa-metragem Upurga (Letônia), os curtas Roof Knocking (+50 seleções internacionais) e O Estranho Desaparecimento do Camarada Kuliakov (2021, Estônia). Foi selecionado para os workshops Berlinale Talents – Buenos Aires 2017, POWR Baltic Exchange 2018, Willapa Bay AiR 2019, e ganhou o terceiro lugar no FRAPA 2018, com o piloto Os Passageiros. Atualmente, faz parte do conselho fiscal da Abra, gestão (2021-2022).
Confira abaixo a entrevista que fizemos com o Lucas sobre a experiência de escrever um filme de gênero em uma equipe tão diversa.
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ABRA: Conte um pouco sobre a sua formação através da bolsa Erasmus Mundus.
LUCAS ABRAHÃO: Eu me graduei em Imagem e Som (Audiovisual) pela UFSCar em 2013. Sou do interior do estado, e só depois de formado me mudei para São Paulo. Sempre soube que queria trabalhar com roteiro, mas na época não via nenhuma rota de acesso, então trabalhava principalmente como assistente de produção. Não levo nenhum jeito para a coisa, mas era o que tinha para fazer. Quando me disseram que a Erasmus estava inaugurando um mestrado novo, com bolsa de estudos, chamado KinoEyes, achei que era uma boa chance para conseguir focar totalmente na escrita. O curso é um tanto experimental, e se passa em três países: Portugal, Escócia e Estônia. Apliquei e, miraculosamente, consegui a bolsa. Comecei o mestrado em 2015.
A minha classe tinha alunos de quase 20 países diferentes, do Irã à Itália, de Taiwan a Gana, o que fez com que fosse uma experiência totalmente única. Foi sem dúvida o período em que mais aprendi sobre roteiro e cinema na vida, e a colaboração com gente do mundo inteiro acabou sendo fundamental para mim. Foi também durante o curso que escrevi o curta-metragem Roof Knocking, que se passa na Palestina. Esse filme foi muito bem recebido lá fora, especialmente no mundo árabe, o que acabou abrindo portas para que eu continuasse escrevendo.
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ABRA: Como você entrou no projeto Upurga? Como foi o processo de escrita e realização do filme?
LA: Em 2018, um roteiro de longa que eu escrevia ao lado da roteirista sérvia Bojana Babic foi convidado para um workshop de pitch no festival de cinema Tallinn Black Nights, na Estônia. Lá, apresentamos nosso projeto, a comédia dark Innocent Gun, na frente de membros da indústria. O pitch foi legal, e apesar de Innocent Gun não ter vingado, a exposição nos levou a conhecer as duas pessoas que nos convidaram a participar de Upurga: o diretor Ugis Olte e o produtor Uldis Cekulis (foram meses até que eu conseguisse pronunciar seus nomes). Ambos são da Letônia, e eu já tinha visto um filme deles – o documentário Liberation Day, que acompanha a execução do primeiro show de rock na Coréia do Norte – que tinha curtido bastante. Eles disseram que tinham um roteiro de longa que pretendiam reescrever e nos convidaram a ser co-roteiristas.
Era uma ideia muito louca, muito fascinante, que ainda não estava bem ajambrada. Na época, eu não conhecia a Letônia e não fazia a menor ideia de sua mitologia, e o roteiro era tão específico em relação à cultura local que era difícil de acompanhar. Tivemos que debater ele muito, e pesquisar também, para entender os meandros da história. Foi um processo muito legal. Nós três nos demos muito bem escrevendo juntos. Reestruturamos a história toda para fazer dela mais palpável, sempre nos esforçando para não perder essa autenticidade que a ideia sempre teve. Acho que Bojana e eu fomos importantes para dar corpo e potência à narrativa.
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Escrevemos em 2018 e 2019. No fim de 2020, o roteiro já estava pronto e eu estava no Brasil, em meio à pandemia, quando recebi um e-mail de Uldis, contando que o filme seria filmado e me convidando para o set. Tive a sorte de poder estar lá e até fiz uma discretíssima “cameo” no filme. Acabei voltando para a Estônia depois (Letônia e Estônia são vizinhos), onde consegui um trabalho dando aula de roteiro e dirigi um curta, O Estranho Desaparecimento do Camarada Kuliakov. Acabei ficando por quase um ano, e voltei ao Brasil há dois meses.
ABRA: Do que se trata Upurga?
LA: O filme conta a história de Andrejs, um jovem instrutor de rafting que leva um grupo de publicitários para fazer um comercial num rio perigoso numa floresta letã. Uma noite, todos os membros da equipe desaparecem, e Andrejs tem que partir sozinho pela floresta para encontrá-los. A partir daí, a viagem de Andrejs se torna uma espécie de Alice no País das Maravilhas dark, iluminada pela mitologia da Letônia. O filme é uma espécie de conto de fadas lisérgico, e, assim como em histórias do tipo, no fundo se trata de uma narrativa de amadurecimento, um coming-of-age. Andrejs é um instrutor acostumado a vender uma ideia publicitária de “aventura”, sempre sob controle. Quando seus clientes se perdem na floresta, ele é forçado a encarar uma “aventura” real, e com isso enfrentar seus maiores medos. Estou muito feliz com o resultado do filme – é uma viagem alucinada, surreal, e totalmente autêntica.
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ABRA: Quais os desafios de realizar um filme de gênero?
LA: Eu sempre curti escrever cinema de gênero, e acho até que foi uma coisa que eu e Bojana trouxemos a mais para o projeto. A ideia inicial tinha todos os elementos de gênero (o horror, o thriller, a tensão), mas acho que eles não estavam ordenados de uma forma dramaticamente coesa. Potencializar isso através dos recursos que o cinema de gênero nos oferece acabou sendo uma das principais etapas de criação. O maior desafio é sempre fazer isso sem que se perca aquela força original da ideia. Trabalhar dentro dos confins do cinema de gênero pode tanto potencializar uma narrativa como normalizá-la, fazer com que ela perca sua originalidade. Nos esforçamos muito para que o último caso não acontecesse.
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ABRA: Como foi a experiência de filmar com um diretor estrangeiro fora do Brasil? Quais as diferenças (facilidades ou dificuldades) entre filmar aqui e lá?
LA: É uma coisa bem mágica, porque é tudo muito inédito. Especialmente por se tratar de um lugar tão desconhecido para a gente quanto a Letônia. Não só as paisagens são diferentes de tudo que eu tinha visto antes de embarcar nesse projeto, mas a cultura humana também, os detalhes da vida cotidiana que eu via os atores trazendo para as cenas.
Quanto à relação com os demais: eu, Ugis e Bojana sempre nos demos muito bem, então nesse sentido não houve barreira nenhuma para a colaboração. Diria que foi idêntico a trabalhar com diretor e roteiristas daqui. Já quanto às dificuldades e facilidades na filmagem, para mim elas decorrem do mesmo fator, que é a geografia. Por um lado, você pode viajar por horas pela Letônia e só encontrar lugares desabitados, prontos para receber uma equipe de cinema, como um set a céu aberto. Então é muito convidativo. Por outro lado, tem o clima. Filmar numa floresta letã durante o outono é bem punk. Dava até pena dos atores, que tinham que nadar no rio algumas vezes.
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ABRA: Quando está programada a estreia no Brasil? Antes de chegar aqui, como será o lançamento?
LA: O filme só agora está começando sua rodada de festivais, então nenhuma confirmação por aqui ainda. Teve sua estreia mundial há algumas semanas, no Tallinn Black Nights Film Festival, que é meu festival de cinema preferido, lá na Estônia, e eu não pude estar presente. Quero muito trazer o filme para o Brasil em breve. É um filme imageticamente muito forte, desses que dá vontade de ver na telona, e eu ainda só vi na TV.
Gostou? Demais essa experiência, né? 🙂
Confira o trailer aqui: https://www.youtube.com/watch?v=4Az4zpFx6xM
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