Nesta tempestade de faixa etária na qual eu mesmo me engajei, não nos esqueçamos que, para os cineastas, há coisas tão nefastas e até mais inviabilizantes que esta censura malocada contra a qual nossa indignação está, no momento, a postos.
Parecerá esdrúxula e extemporânea minha colocação, mesmo porque todo mundo já sabe o que estou dizendo, mas possuo um certo talento de resumir as coisas que talvez ajude. Assim, não custa relembrar.
Mais de noventa por cento das salas de exibição são ocupadas pelo cinema norte-americano. Eles fazem alguns excelentes bons filmes mas quando os vendem para os exibidores dão de contrapeso um monte de filmes medíocres ou mesmo ruins.
Com estes filmes dados eles garantem a ocupação das salas pelo cinema deles e tiram as datas dos nossos filmes. O cinema europeu e outros levam mais uns cinco por cento e fica o cinema brasileiro com uma vigésima parte do mercado.
A TV Globo pega os seus produtos já divulgados pela mídia televisiva e os transforma em filmes, já com seu público assegurado. O faz diretamente ou com a ajuda de empresas testa de ferro, tal como a Total Filmes.
Estes filmes, com diretores, atores e mesmo técnicos de TV, com a certeza de uma boa divulgação televisiva conseguem fácil distribuição e recursos das distribuidoras estrangeiras, como Columbia, Warner, etc. Eis aí o cinema brasileiro “vencedor” de hoje.
O cineasta de carreira ou que procura expressar sua autoralidade encontra um mercado pobre e sem recursos. Até mesmo os Editais do MINC e da Petrobrás já estão beneficiando claramente o tipo descrito de cinema “rico”. Então, o cineasta que eu chamaria de “verdadeiro” tem uma pequena chance de conseguir financiamento em um desses poucos editais. São de 1 para 100, ou menos, as chances dele.
Há, claro, a possibilidade de captação através da isenção de Imposto de Renda para fins de produção cultural. Aí, há a longa peregrinação de firma em firma durante anos, ouvindo propostas indecentes de dinheiro a ser dado por baixo da mesa, em percentagens inacreditáveis de tão cínicas e abusivas.
E mesmo que este aspecto seja, às vezes, mais brando, há chance de se conseguir algum dinheiro mas sempre que a história do filme não fira qualquer padrão de bom-mocismo necessário para que a firma investidora não veja sua imagem maculada e com isso possa perder crédito entre seus clientes, sempre conservadores.
Faz total sentido esta posição das firmas investidoras; errado é o espírito de captação, que torna o produtor de cinema (ou teatro, ou etc) um mendigo a passar o prato e a se submeter a boas maneiras às quais ele, como artista, não tem nenhuma obrigação de ser fiel. Pelo contrário.
Como o filme autoral, quando chega à tela, tem pouco dinheiro para a publicidade, quando ele faz 50 ou 60 mil espectadores é considerado o maior sucesso. Se a renda do filme consegue pagar a pouca mídia de lançamento, já é uma sorte. Para o produtor do filme não resta nada. Já os filmes feitos pela Tv, freqüentemente anódinos como conteúdo ou como forma, costumam sempre ultrapassar o milhão de espectadores.
Esta é a imagem real do CINEMA BRASILEIRO. As premissas estão todas aí. Há muitas forças políticas e econômicas no meio mas a realidade é clara. Ou o Ministério da Cultura se aplica em mudar isso ou continuaremos mal. Estou em cinema há 40 anos.
Passei por governos da legalidade, pela ditadura, por governos ditos da burguesia e agora o dito do povo. E nada muda realmente. O cinema deveria ser uma profissão mas é apenas um hobby e quem o professa tem obrigatoriamente que ter outras fontes de renda. E mesmo que uma firma faça um longa a cada 5 anos, ele tem que pagar todas as taxas da existência da firma que nada consegue produzir. Há como?
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