“Dinheiro público debate público.
Pode uma produtora fazer um filme com dinheiro público e não levar ele ao público?”
O Fato:
O filme “Saúde S.A.” esta proibido de ser exibido pelos próprios produtores .
A questão ética:
Pode um produtor fazer um filme com dinheiro público e impedir que ele chegue ao público?
A dúvida
Será isso uma forma de “censura”?
O pedido:
Nós, realizadores do filme, viemos a público pedir aos produtores que liberem a exibição do longa.
A cena kafkiana.
Parece loucura, mas isso realmente aconteceu. Os produtores decidiram proibir que o próprio filme seja exibido. O filme estava selecionado para um Festival, mas eles mandaram notificação proibindo a exibição. Isso vem acontecendo ha mais de um ano
Como isso acontece? Acontece por três tipos de ação por parte dos produtores:
a)Impedimento: Enviaram petições judiciais impedindo os diretores de mostrar o filme, de inscrever em festivais e até de mostrar trechos (trailler ou teaser) na internet. Agora, mesmo com o filme selecionado para um Festival, eles notificaram o Festival impedindo a exibição.
b)Fazendo um corte inassistível. À revelia dos diretores, em 3 dias de trabalho e com outro editor que desconhecia o filme, os produtores fizeram um corte totalmente deturpado, sem coerência dramática e cheio de blurs e bips (recursos visuais e sonoros comumente usados para censura).
Interessante saber qual objetivo disso? Entregar uma cópia burocrática do filme para o MinC (prestação de contas). E, complementarmente, fazer o pior filme possível para inviabilizar sua exibição. O Minc conferiu as planilhas de prestação de contas e aceitou o corte mutilado. O direito moral do autor foi ignorado.
c) Engavetando o filme. O filme está pronto há mais de um ano e eles o escondem. Não contactaram nenhuma distribuidora, não inscreveram o filme em festivais nem fizeram qualquer movimento no sentido de torná-lo público. Até mesmo o teaser de internet foi proibido.
Dinheiro público, debate público. É direito da produtora fazer um filme porque chegar a público?
Tentamos por um ano resolver a questão com os produtores. Como não resolveu decidimos trazer a público.
Estamos há um ano tentando diálogo com os produtores. Mas dialogo pressupõem algum interesse mútuo em lançar o filme. Isso não existe. Foi difícil acreditar mas, ao que parece, o interesse da produtora é simplesmente engavetar o filme.
Porque? Apenas para se livrar do trabalho de lançamento. No Brasil a produtora ganha na produção, não na comercialização. Ela já ganhou na produção, agora quer se livrar do filme. Ela pode fazer isso? Legamente sim. E eticamente?
Descobrimos isso aos poucos. No inicio eles alegaram medo de processo de um personagem apenas citado no filme (mais no detalhamento do Enredo). Mas depois descobrimos que eles nem tentaram travar diálogo com o citado personagem.
Diante disso nós propusemos que os diretores assumissem os riscos de processos. liberando a produtora disso. Eles também não aceitaram. Depois fizeram, a nossa revelia, um corte propositadamente ruim para que o filme não tenha chance alguma de ser selecionado para Festivais. E mesmo assim em um ano não inscreveram em nenhum festival, nem levaram para nenhuma distribuidora. Ao que parece eles querem engavetar o filme.
Fica a pergunta: é direito do produtor fazer um filme com dinheiro público e não levar ele a público?
Será isso “censura”? Existe algum direito moral do autor sobre a obra?
O fato é que atitudes assim lembram algo parecido com o que costumamos chamar de “censura”. Será que foi então “censura”?
Legalmente não. Fomos advertidos por advogados que isso não é censura. Por isso, o advogado mesmo nos censurou: não podemos falar em censura. Meio Kafka não? Ser censurado de falar censura. Ok. Juridicamente falando nada disso é “censura”, pois os diretores erraram ao confiar nos produtores e assinar contrato que lhes assegura o direito de corte final. Então eles estão legalmente aptos a fazer o que quiser com o filme, até mesmo engavetá-lo.
Mesmo não sendo juridicamente uma “censura”, o fato é que nós, realizadores do filme, nós sentimos como se tivéssemos sido “censurados”.
Além disso, percebemos que essa é uma questão pertinente para o debate sobre Direito de Autor no Brasil. Afinal, existe algum direito Moral do Autor sobre a obra?
Acreditamos ainda que entender isso ajuda a entender alguns perigos do audiovisual brasileiro hoje que, ao priorizar a burocracia, permite a existência de produtores que querem ganhar apenas na produção e não tem compromisso com a exibição do filme.
Por isso, decidimos trazer isso a público e debater a questão publicamente. Afinal, o filme foi feito com dinheiro público e queremos debate público. Convidamos os produtores para debater no dia que quiserem publicamente. Sentimos obrigação disso já que fizemos um filme que ganhou um edital e que esta engavetado faz mais de ano. Queremos apenas exibir o filme e publicizar o debate.
E também continuamos fazendo o pedido para que a produtora reconsidere e permita a exibição do filme na integra, na versão dos autores.
Se quiser saber mais detalhes basta continuar lendo.
DETALHANDO O ENREDO (quem quiser pule isso e vá para o final)
Acreditamos que não mostrar ao público um filme feito com dinheiro público é muito triste. Eles dizem que pretendem fazer apenas uma sessão e do corte deles. Para que? Apeans para pontuar na Ancine, outra exigência burocrática
Ou seja, querem inviabilizar o filme e ganhar os pontos.
Não aceitamos isso e nos sentimos na obrigação pública de discutir isso. Sabemos que não é “censura” . Que não podemos usar a palavra censura. Ok Mas qual é o nome disso?
Estamos bastante chocados e entristecidos com essa violência. Além de ter um compromisso público, o filme também é uma obra afetiva , que mostra a família dos dois diretores, mostrando inclusive as últimas imagens do pai de um deles, que faleceu logo que encerradas as filmagens. Pelo bom senso público e também por motivos pessoais, não exibir o filme é uma violência. Decidimos que temos que ir em frente e tentar exibir.
Ainda na linha kafkiana fica a pergunta.
Por que os produtores estão fazendo isso?
À primeira vista, o motivo é ter a completa e absoluta segurança jurídica. E como todos sabemos, a melhor forma de ter total segurança jurídica é não exibir o filme. O advogado deles detectou o risco de processo por parte de um personagem citado no filme. No entanto, até recentemente este personagem não havia nem sido contatado pela produção.
A cena toda é cômica, beira o non-sense.
O referido personagem não dá entrevistas para o filme. Ele apenas é citado como alguém que não dá entrevistas para a mãe de um dos diretores. Fato que é comprovado por sua secretária em uma cena. Depois disso, o boneco de papelão do referido personagem (um totem com sua imagem, que ele espalha pelas fachadas de suas lojas e que foi emprestado no dia de gravação por seus próprios funcionários) começa a aparecer ao fundo das imagens nas cenas seguintes. Uma ironia leve, uma brincadeira quase infantil sobre um “personagem oculto”. (parodiando – na verdade caricaturizando – um procedimento usual do documentarista Michael Moore) Mas em nenhum momento o personagem foi acusado de algo. Foi apenas citado como alguém que não deu entrevistas para o filme. Só isso. Mas isso foi o suficiente para chocar e amedrontar o advogado da produtora.
O advogado, antes mesmo de consultar o personagem, julgou que estávamos ofendendo a honra do referido senhor.
A solução normal seria fazer um seguro contra risco de processos, procedimento comum em produções de filmes desse tipo. É quando o setor jurídico participa do jogo democrático. Além disso, ações desse tipo estavam previstas desde o projeto inicial. O roteiro inscrito no edital público previa outras ações mais suscetíveis a processos do que esta brincadeira. No caso específico, o risco é pequeno. Mas é claro que depende do senso de humor das pessoas e algum pequeno risco sempre existe quando se trata de interpretar humor. Mas, sem qualquer ponderação, produtores e advogado decidiram fazer um novo corte a revelia dos diretores. Sabemos que isso não é “censura”. Mas como chama isso mesmo?
Uma solução – já arbitrária e contraditória ao papel do produtor que apresentou o projeto – seria refazer o corte com bom senso, sem tantos bipes e blurs. Mas isso exigiria mais cuidados e mais diárias para um filme que já tinha sido finalizado.
Todas essas soluções normais só seriam possíveis se os produtores tivessem algum compromisso com o resultado da obra. Mas não parece ser o caso. Não há nenhuma demonstração de compromisso com isso. Eles já haviam ganho seu salário na produção, não queriam mais preocupações futuras. Então optaram por simplesmente inviabilizar o filme e engavetá-lo, reduzindo a zero os riscos de um eventual processo.
Querendo resolver isso nós – os diretores – há um ano propusemos um contrato em que nossas pessoas físicas assumiriam os riscos de eventual processo. Não querem conversa. Só querem terminar com isso engavetando o documentário.
Esperamos um ano para ver se eles reavaliavam o posicionamento. Não adiantou. Não deram mais noticias. Afinal, tentamos uma solução óbvia: pedir autorização para o personagem que falta ceder autorização. (trabalho que deveria ter sido feito pelos produtores no momento da gravação). O nome dele é Sidney Oliveira e, há algumas semanas lançamos campanha pedindo para ele liberar o filme. E qual foi nossa surpresa ao descobrir que os produtores ainda não tinham sequer tentando mostrar o filme para o personagem retratado. Não é de hoje que eles tinham decidido inviabilizar o filme. O surrealismo só foi aumentando.
Antes de acontecer uma hipotética “censura” pelo personagem, os próprios produtores decidiram impedir o filme de ser exibido e fazer um corte cheio de blur e bipes.
A falta de compromisso é tanta que, nessas condições, fica difícil qualquer diálogo.
Por isso tivemos que vir a público. Para levantar uma questão que acreditamos ser de interesse público. E para, quem sabe, os produtores se sensibilizam e liberam o filme.
Restaram algumas questões neste lamentável episódio.
CONCLUSAO
Pode o produtor não exibir o próprio filme?
Sabemos que pelo contrato que nós diretores inocentemente assinamos eles podem tudo. Então podem tudo mesmo. Ok.
Mesmo assim acreditamos que seria legal conversar.
Porque? 3 motivos
a) Direito Moral do Autor. Ao fazer um corte a revelia dos diretores o produtor passa por cima do direito dos autores (diretores e roteiristas). Entendemos que o produtor tenha direito comercial sobre a obra, mas gostaríamos de ter o direito , ao menos, de exibir para uso não-comercial, como festivais, debates e outras ações de interesse público.
b) Ética com entrevistados
Também não é correto com os personagens do filme, que cederam entrevistas, gravaram muitos dias de graça, revelaram suas intimidades e agora querem ver o resultado na tela.
c) ética pública. O longa foi executado com dinheiro público e um filme só se completa na exibição. O governo é muito exigente na prestação de contas mas o edital não exige nenhum retorno do produtor quanto à exibição do filme. Por lei, eles não tem obrigação alguma de exibir.
Mas, acreditamos que é compromisso ético do produtor tentar fazer com que o filme seja visto por quem pagou seus custos: o público.
Nosso pedido portanto é simples:
a) Que os produtores autorizem os diretores a exibirem o filme. Nós aceitamos assinar contrato assumindo todos riscos de eventual processo. Só queremos ter o direito de exibir o filme
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