por Mauro Alvim, dramaturgo mineiro até o moela.
O filósofo alemão, Rob Riemen, em seu livro Nobreza de espírito, comenta que “… as horas tornam-se longas quando o papel fica em branco.” Carlos Drummond de Andrade refletiu sobre a capacidade de a folha em branco deixar impotente o produtor textual no ato inicial da escrita de um texto. De fato, levante a mão aquele que nunca se desesperou diante de uma página em branco! No entanto, antes deste vazio diante dos nossos olhos, seja uma folha de papel ou a tela de um computador, vem um desafio maior: o que vou escrever?
Meu sonho de escrever um livro vem há mais de trinta anos. Pensava em fazer um romance onde fosse uma história cercada de mistério no âmbito da política internacional e da igreja (algo aos moldes de Dan Brown que ainda nem havia lançado seu primeiro livro). O título eu já tinha: “O PAPA ABDICOU” e iria se tratar justamente de um pontífice que deixou o papado para não se comprometer com os escândalos do Vaticano, apesar de que Morris West já tinha abordado sobre a renúncia papal em “Os Fantoches de Deus”. Durante seis meses comecei a me dedicar a pesquisas e mais pesquisas sobre a instituição da Igreja Católica, até que tomei um banho de água fria quando, conversando com o escritor Paulo Rangel, este me aconselhou: “Nunca queira escrever nada sobre um assunto e um ambiente em que você não tem vivência.” Estava coberto de razão.
Daí que, quando me aventurei a escrever para o teatro e optei pelas comédias, não foi uma decisão da noite para o dia. Alguns anos antes tinha ido no cinema assistir “O Ébrio”, com Vicente Celestino e, sinceramente, foi um filme que me deprimiu, a história vocês conhecem. Mas, anos depois, num sábado à noite, fui num cinema de bairro assistir uma considerada pornochanchada brasileira, intitulada “OS MANSOS”. Na plateia, pessoas mais humildes, assalariados, riam com vontade das gags do filme e teve uma que foi especial: No aniversário do seu patrão, a secretária mandou-o ir na sua casa pois iria lhe preparar uma surpresa. Lá chegando, a garota pediu que ele ficasse na sala, e só entrasse quando ela chamasse. Imaginando que o presente seria “aquele!”, mais do que depressa se despiu, ficou nu e, quando ela disse: “Pode vir”, ele entra numa sala escura iluminada por algumas velas e, quando a luz acende, ali estava toda a sua família cantando “Parabéns prá você!”. Parece que até hoje escuto a gargalhada da plateia, fiquei feliz de ver aquele povo alegre e fiz uma promessa comigo: “Ainda vou ser dramaturgo ou escritor para fazer o povo rir desse jeito”. Passei a ler e assistir a muitas comédias, Marcos Caruso, Martins Pena, Ariano Suassuna muito me influenciaram. Procurei situá-las no interior de Minas Gerais, onde eu vivo, ouço histórias engraçadas e criei meu estilo não apenas no teatro, mas nos curtas que já fiz. E aquelas que não consegui colocá-las no formato de teatro viraram contos e, finalmente, escrevi meu primeiro livro, “Mineiríssimo”.
Foi um bom aprendizado que tive, jamais se escreve sobre determinado tema porque é moda. Escreva com o coração, ou vale a pena até arriscar a lançar uma coisa nova. Plínio Marcos foi destes que se aventurou a contar a história do submundo onde vivia. Segundo ouvi dizer, os produtores que leram suas primeiras peças ficaram horrorizados com o que viram. Hoje, seus textos estão até defasados, digo o mesmo de Nelson Rodrigues que era visto pelo povo na rua como um tarado. E vamos mais longe, quando Ibsen lançou “A casa das bonecas”, onde a mãe e esposa abandona o lar e confessa não mais amar o marido, devolve-lhe sua aliança, e diz que só voltará se acontecer o maior de todos os milagres: os dois se modificarem a ponto de fazer do casamento uma verdadeira vida em comum. Na época, mediante as tentativas de emancipação feminina, foi uma peça revolucionária, com grande repercussão entre feministas, a Europa inteira a discutiu. Houve censuras violentas lançadas contra a personagem principal, Nora, pois a época não perdoou seu abandono da casa e dos filhos. Isso hoje seria escândalo?
Finalizando, dentre as comédias que escrevi, houve espaço para o drama, mas foi de algo que eu imaginei quase que vivenciado-o. Meu pai tinha um grande amigo, alemão, senhor idoso, solteirão, chamado Hans. Todo final de semana ia almoçar conosco e, durante a época da captura do nazista Mengele, ofereceram milhões pela captura dele. Conversamos entre nós: “E se o Hans fosse o Mengele, seríamos capazes de entregá-lo?” Aí eu tive inspiração para escrever e bolar uma história neste sentido, se uma família seria capaz de entregar para a polícia um velho amigo alemão, ex-nazista. Quando Hans soube da peça que eu havia escrito (seria encenada com o falecido ator Jorge Cherques no papel do nazista), chegou a ficar brigado com meus pais e comigo principalmente. Foi um custo convencer o velhinho que tratávamos apenas de uma suposição, uma ideia para uma peça, mesmo porque, nos tempos da segunda guerra ele já morava no Brasil e era sócio do meu pai na venda de brindes de escritório.
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A série VIDA DE ROTEIRISTA é composta de artigos escritos pelos associados da ABRA – uma maneira de abrir espaço para a opinião do autor roteirista sobre diversas questões pertinentes à profissão. As opiniões expressas aqui são de responsabilidade do autor e podem não representar o posicionamento oficial da associação.
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