Não é tão simples prever quando essa total convergência entre as várias mídias se efetivará. No entanto mais importante do que saber quando chegaremos a ela é percebemos que o mundo digital já está presente no cotidiano de milhões de pessoas.
A TV Digital aberta, por exemplo, já está em operação em vários países do mundo e o número tende a crescer rapidamente. Estima-se que em 2006 haverá 242 milhões de TVs digitais em todo o mundo (Digital TV: myth or reality da Wipro Digital Padian e Mihsra).
E já em 2010 todos os aparelhos dos EUA estarão operando em digital. No Brasil o processo está mais atrasado, pois estamos centrados na discussão dos padrões. O governo brasileiro atento aos potenciais da nova tecnologia imagina uma televisão mais interativa que universalize o acesso a algo próximo a Internet para a população brasileira, via transmissão em televisão.
A TV Digital que se fala hoje é, na maioria dos casos, a TV Digital por transmissão aberta. Nela banda de transmissão será multiplicada por 4. A questão a ser debatida é o que as redes e a sociedade optará por fazer com esses novos “canais”.
Há a possibilidade a multiplicar as redes existentes, há a possibilidade de transmissão em HDTV (que ocuparia nesse caso os 4 canais de transmissão), da transmissão de dados (notícias, conteúdos extras aos programas, serviços) e de retorno do usuário (interatividade).
A possibilidade de conteúdos multimídia extras ao programa exibido aproximará a televisão da Internet, ou para ser mais humilde, da linguagem atual dos DVDs. O espectador pode se tornar usuário e entrar na imagem, clicando em ícones e se aprofundando em questões de seu interesse.
Isso romperá a tradicional dicotomia entre TV genérica (que atinge a todos os públicos e é por isso mesmo mais superficial) e a TV segmentada (que se aprofunda em determinadas questões). Na TV Digital um mesmo programa pode ter uma superfície genérica para todos e conteúdos mais aprofundados para públicos com interesse segmentado. Efetiva-se o potencial de uma TV que seja educativa sem deixar de ser entretenimento.
A TV Digital, no entanto, ao contrário do que muitos pensam dificilmente transformará a TV em Internet. A TV Digital aberta não terá possibilidade de interatividade total e ilimitada e a própria largura de banda limita isso.
O usuário da TV digital não poderá navegar livremente por todas as infinitas possibilidades da Internet atual pois ele terá sua navegação restrita aos conteúdos extras que a emissora lhe oferecer. Na verdade a TV digital não é o final do processo da convergência, é apenas mais um degrau da escada.
No processo final a TV estaria interligada ao micro computador. Os aparelhos, mesmo diferentes, poderiam dialogar entre si e, através da interface da televisão, o usuário poderia acessar a web da mesma forma que acessa o seu microcomputador.
Até o momento a maioria dos aplicativos criados para TV Digital vão no caminho de possibilitar interatividade imediata e personalizar a grade de programação. São recursos como o TV-mail, o tv-chat, tv commerce, jogos interativos (tal como rápidos quizes), PVR (Personal Vídeo Recorder) e VOD (Video on demand).
O PVR, por exemplo, é um vídeo cassete mais evoluído e totalmente digital, que permite que o usuário programe sua televisão para gravar programas de seu interesse para que ele possa assistir na hora em que desejar. Essa possibilidade enfraquece o poder da grade de programação e do break comercial, obrigando as empresas a elaborar novos modelos de negócios.
A interatividade direta durantes os programas será outro fator que reorientará os conteúdos e os modelos de negócio. É interessante notar como hoje, mesmo com a tecnologia do digital ainda em desenvolvimento, a lógica do digital está “contaminando” toda a programação, aumentando as ações de interatividade.
Alguns dos formatos de maior sucesso na TV aberta e analógica nos dias de hoje são formatos pensados para incentivar os conteúdos interativos através de ações cross mídia. O Big Brother e outros reality shows são formatos que antecipam tendências da tv digital, possibilitando a interação do público na definição de rumos para o programa.
Sem a tecnologia da TV Digital, no entanto, a participação tem ocorrido através do telefone. E apesar das limitações técnicas tem obtido ótimos retornos. Na primeira edição brasileira do programa houve 24 milhões de participações por telefone (via SMS e voz). Na quarta edição esse número subiu para 137 milhões.
Essas participações são pagas e começam a se tornar um importante gerador de recursos para o programa, criando novos modelos de negócio e de produção audiovisual, conforme discutiremos adiante.
O mercado de telefonia celular
Já foi o tempo em que o celular servia apenas para transmissão e recepção de voz. A tecnologia de hoje permite que o celular faça a transmissão e gravação de conteúdos multimídia, como texto, fotos, vídeos, acesso a Internet, entre outros serviços.
Com o surgimento das redes de 3G (Terceira Geração) está crescendo rapidamente o mercado de conteúdos multimídia para celular. Enquanto as redes de segunda geração foram concebidas para trafegar voz, as de 3G foram criadas para trafegar dados. Sua velocidade de transmissão é 10 vezes superior e é possível guardar pelo menos 10 vezes mais informações nos aparelhos celulares.
Estima-se que há hoje 37 redes 3G operando comercialmente nos 50 países mais ricos do mundo. Isso representava, até junho de 2004, 20 milhões de usuários (dados da União Internacional de Telecomunicações – UIT), órgão da ONU. (citado na Revista Exame Set. 2004). A expectativa é de crescimento rápido: as receitas mundiais no envio de dados por serviços móveis devem saltar de Us$ 61 bilhões para US$ 189 bilhões até 2009 (de acordo com a consultoria Strategy Analytics).
Na Europa de hoje, o problema é mais de usabilidade e de oferta de serviços e conteúdos do que tecnológico, pois mesmo quem tem os aparelhos multimídia ainda não o utilizam. Apenas 9% acessam regularmente serviços de dados e 25% usam o aparelho multimídia apenas para falar. A estimativa é que só em 2007 os recursos multimídia sejam usados em larga escala.
No Oriente o uso de celulares para conteúdos multimídia é uma realidade mais presente. No Japão de hoje 18% do total de receita da operadora DoCoMo vem de dados. A meta é atingir 30% em 2 anos. Na América Latina onde as redes ainda não são de 3 geração ela não passa de 5%
No entanto mesmo as operadoras brasileiras estão investindo pesado nos conteúdos multimídia, tentando criar hoje a demanda do futuro. O Brasil é um dos dez maiores mercados de telefonia celular do mundo e o primeiro da América Latina, a frente até do México. São 31 aparelhos para cada 100 habitantes.
Apenas no ano passado o número de consumidores cresceu 42,2%. O mercado está em franca expansão e as corporações multinacionais estão investindo pesado no país. A italiana TIM, por exemplo, anuncia que nos próximos 2 anos tem no caixa 7 bilhões para investir no Brasil (Isto é, dinheiro, setembro de 2004).
Mesmo com a tecnologia em 2D o mercado de dados para celular cresce rapidamente no Brasil. O portal Terra, maior provedor brasileiro, foi pioneiro ao lançar em março o TV Terra para usuários da Vivo. Por meio de uma assinatura mensal o cliente pode baixar cerca de 50 vídeos atualizados semanalmente.
Nos primeiros quatro meses de operação, o serviço conquistou 6 mil assinantes, muito acima do esperado. E segundo Luis Avelar, vice-presidente de Marketing da Vivo, todo mês há meio milhão de downloads de vídeos, jogos, ringtones e e-mails. E o número cresce 30% ao ano..
O mercado de conteúdos multimídia no Brasil já existe, mas está até o momento totalmente desregulamentado. Mesmo a produção de conteúdos audiovisuais não segue as regras mínimas, como a defesa do conteúdo nacional, regional e independente. Por isso uma ação eficaz de políticas públicas nesse momento poderá garantir o surgimento de um mercado mais democrático e diversificado.
As webtvs
Um outro mercado que começa a se aquecer no mundo todo e poderá prosperar nos próximos anos é o mercado de webtvs. No Newsworlk, um Fórum de Jornalismo que ocorreu em Barcelona, um representante da Microsoft estimou que no mundo todo serão criadas 5 milhões de webtvs nos próximos 5 anos.
Dessas imagina-se algumas terão programação extensiva, outras conteúdo mais esporádico, se aproximando dos sites de vídeos. Nos EUA já existe algumas webtvs e sites de filmes com grande número de acesso e que se auto-sustentam com grande sucesso, como o Guerilha News Network (www.gnn.tv).
No entanto, para o mercado de webtvs crescer é necessário o aumento da base de assinantes em banda larga, que no Brasil é ainda muito pequena. No entanto, esse mercado tende a crescer rapidamente. Segundo a consultoria internacional Pyramid Research o segmentos o que mais vai crescer no mercado de comunicações brasileiro entre 2004 e 2009 é o de acesso à Internet em banda larga, que crescerá 22,5%. A expectativa é de que até 2009 o Brasil alcance 5 milhões de assinantes, com mais de 80% dos acessos via ADSL.
Há hoje, no Brasil algumas experiências nesse sentido. No entanto, devido a ausência de apoio público para esses produtos as experiências são em sua maioria ligadas a grandes grupos de mídia que se preparam para serem a referencia do público no momento em que o mercado crescer. As poucas e corajosas experiências independentes (como a Alltv) tem dificuldade em se manter no mercado atual.
As webtvs são um dos principais caminhos para a democratização e diversificação da produção audiovisual. Organizações não governamentais e grupos culturais de todos os cantos do país poderão construir na web seu próprio canal de informação e entretenimento.
Elas poderão recuperar formatos inovadores e criar formatos para conteúdos segmentados ou locais. Experiências de televisões que tem uma grade próxima ao rádio (com entretenimento e serviços) podem ser recuperadas. Exemplos como o TV Mix (TV Gazeta), a City TV (de Toronto), e os primeiros anos do Canal 21 podem servir de exemplos para a criação dessas novas televisões que efetivem um projeto de programação local. Além da TV local grupos com interesses segmentados podem encontrar na web, uma forma complementar de comunicação.
Essas empresas podem ter um horizonte de auto-sustentabilidade econômica no futuro. O Guerrilha News Network atinge um público de oposição ao governo americano e se sustenta com assinantes na web, vendas de DVDs e produções eventuais de documentários para redes maiores como a HBO.
Uma renda complementar poderia vir da distribuição de conteúdos por celulares. São modelos de negócio inovadores e totalmente viáveis, que permitem que nós sonhemos com um novo campo de produção audiovisual mais diversificado e auto-sustentável. Mas para que essas TVs independentes consigam realmente existir é fundamental que elas tenham apoio público para surgirem e se sedimentarem agora, no momento em que o mercado está crescendo.
Caso contrário, o mercado ficará todo controlado pelas grandes corporações ou pelas iniciativas independentes de retorno mais imediato, como o mercado de sites de conteúdo pornográfico, que tem sua importância econômica, mas não podem se tornar a única possibilidade comercial para os empreendedores do setor.
Por isso, para garantir a diversidade e o surgimento de novas empresas, é importante uma intervenção pública imediata, com políticas públicas que ajudem o surgimento e a sedimentação dessas novas empresas.
A alternativa ao capital corporativo é o poder do Estado agir no setor, para incentivar a diversificação cultural e o desenvolvimento econômico com distribuição de renda.
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