Este espaço virtual destina-se a enriquecer os debates sobre a produção audiovisual no país e no mundo. Destina-se, mais que isso, a nos enriquecer.
Através dele e a partir de agora, nós, roteiristas, pontuamos nossa visão sobre nossa própria criação escrita e as ingerências mercadológicas (políticas e econômicas, especialmente) que atuam sobre ela.
Assim, considerando-se que quase sempre diretores, produtores, empresas e diversas injunções relativas às “marés” do mercado interferem na nossa criação, devemos compreender que a crítica não se destina ao criador apenas, mas está invariavelmente relacionada ao contexto em que se cria.
Por isso, para que possamos de fato construir um legado crítico construtivo, denso, capaz de contribuir para a reflexão coletiva da categoria dos roteiristas e da sociedade em geral, precisamos nos despir de vestes autorais impeditivas de olhares mais amplos e menos compromissados para com nosso diário (e árduo) compromisso da combinação das letras, das frases, das cenas, tantas vezes sufocante.
Para escrever e ler uma crítica é preciso deixar a sala do computador, guardar o texto em algum lugar protegido e, dele livres, compreendermos sua inclusão no mundo, incontrolável e ousado mundo, repleto de co-autores travestidos em atores, diretores, distribuidores, espectadores, enfim, toda essa gente que se sente tão á vontade para interferir na obra autoral. Como já disse o Carrièrre, “um bom roteiro é aquele que dá origem a um bom filme.
Uma vez que o filme esteja pronto, o roteiro não mais existe. Provavelmente, é o elemento menos visível da obra concluída”. Muito visíveis e fundamentais para nós e para as obras deles resultantes, os roteiros e peças que criamos são, por sua própria natureza pública, usufruídos sem qualquer possibilidade de controle.
Como filhos criados, caem no mundo e, a partir desse momento, pouco temos a fazer por eles, a não ser lembrar, sempre lembrar das premissas que nos levaram a gestá-los. Talvez mais: recordarmos a nós mesmos daqueles momentos tão íntimos durante os quais os criamos. Só o autor os sabe e esse segredo é, também, nosso trunfo, nossa graça, nossa exclusiva satisfação.
Não apenas os roteiristas e dramaturgos reclamam (d)a crítica.Temos companhia, e das boas. Por isso, inicio esta coluna virtual com um artigo publicado pelo André Setaro, crítico de cinema e professor da Universidade Federal da Bahia, um desses cada vez mais raros homens congruentes, lúcidos e éticos que este mundo ainda permite abrigar.
Estreamos, assim, com o André, um profissional absolutamente isento e liberto das questões autorais que diretamente nos dizem respeito. Uma boa forma de começar nossos papos sem constrangimentos. Nenhum de nós será o primeiro, já que o André estréia por todos nós.
Com o desaparecimento dos suplementos culturais e o advento de normas editoriais que privilegiam o texto curto, além da incultura reinante pela assunção do império audiovisualista em detrimento da cultura literária (vamos ser sincero: ninguém hoje lê mais nada), a crítica cultural veio a morrer por falência múltipla das possibilidades de exercício da inteligência numa imprensa cada vez mais burra e superficial.
Sérgio Augusto, crítico a respeitar, que militou nos principais jornais cariocas, em recente entrevista ao Digestivo Cultural, site da internet (vale a pena lê-la na íntegra: http://www.digestivocultural.com/entrevistas/entrevista.asp?codigo=10), do alto de sua autoridade no assunto, afirmou que o jornalismo cultural está morto e enterrado, ressaltando que se fosse um jovem iniciante não entraria mais no jornalismo porque não vê, nele, perspectivas para a crítica de cultura (área de sua especialidade).
Dava gosto se ler o Quarto Caderno do Correio da Manhã com aqueles artigos copiosos, imensos, que abordando cultura e artes em geral, eram assinados por Paulo Francis, Otto Maria Carpeaux, Álvaro Lins, José Lino Grunewald, Antonio Moniz Viana, entre tantos outros. A rigor, todo bom jornal que se prezasse tinha seu suplemento cultural. Aqui mesmo em Salvador, vale lembrar o do Diário de Notícias e o do Jornal da Bahia (em folhas azuis).
A inexistência da crítica de arte não diz respeito apenas ao soteropolitano. É uma constatação geral no jornalismo brasileiro. Mas, e os cadernos culturais e as ilustradas da vida? Caracterizam-se pela superficialidade e servem, apenas, como guia de consumo, com suas resenhas ralas.
Atualmente, os cadernos dois, assim chamados, são até contraproducentes porque elogiam o que deveriam criticar, colocando na posição de artistas personalidades que deveriam, no máximo, estar no departamento de limpeza de estações rodoviárias.
A crítica de arte serve justamente para isso: para, construtivamente, sem insultos, mas com argumentos sólidos, desmontar aquilo que não presta. Que falta não faz uma crítica de teatro séria, que, semanalmente, venha a apreciar o que se está a apresentar na cidade como literatura dramática. Ou uma crítica de artes plásticas.
A interferência de um crítico faria corar muitos pintores que estão expondo na Bahia e posando como artistas. Assim também uma crítica de cinema que fosse menos paternalista com os “coitados’ dos cineastas baianos cujas imagens são a de “franciscanos” em busca da expressão cinematográfica, mas cujos resultados, em sua grande maioria, remetem o espectador aos braços de Morpheu, quando não à aporrinhação.
Se a miséria da cultura baiana é cristalina, a miséria da crítica cultural é, também, imensa. Que esmola pode ser dada para se acabar com ela?
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