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(Re) Pensando o Lugar da Crítica de Telenovela


A crítica no Brasil, de um modo em geral, agoniza. Exilada no restrito campo acadêmico, ela parou de influenciar nas escolhas de consumo do público: ninguém, ou quase-ninguém, deixa de assistir isto ou aquilo em função de uma má crítica. Por que chegamos a este quadro de falência?

De um lado os críticos reclamam do reduzido espaço nos meios de comunicação, o que prejudicaria o exercício da boa crítica; do outro os produtores e os artistas, insatisfeitos com a qualidade da crítica, reclamam que esta se perdeu entre “achismos” e obscuros jogos de interesse.

De fato, o tempo em que a crítica ocupava grandes espaços no jornal acabou. Porém, vivemos numa outra época, há uma nova percepção cultural e outros valores estão emergindo, e a crítica, como um produto cultural, deve se adaptar a esses novos tempos.

As restrições de espaço não justificam uma crítica subjetiva, na qual juízos de valor (o gosto pessoal mesmo) são lançados sem nenhum pudor, muitas vezes de forma ofensiva, e sem nenhuma justificativa metódica ou estética por parte do crítico – demonstrando o despreparo de boa parte dos nossos críticos de plantão.

Em relação à crítica de telenovela podemos colocar uma lente de aumento sobre o problema da passionalidade. Infelizmente, o excesso de subjetivismos por boa parte dos que se dedicam a criticar profissionalmente a telenovela esvazia a crítica de seus princípios éticos e estéticos. Enquanto ciência, a Crítica ainda não estabeleceu uma metodologia própria e satisfatória para o estudo do gênero telenovela.

Entendendo a telenovela como um gênero híbrido, percebe-se a necessidade de um deslocamento crítico do campo estritamente literário. Falar em telenovela é ampliar e potencializar o significado dos gêneros ficcionais. É estar pronto a dialogar com diferentes linguagens e possibilidades estéticas.

Há de se levar em consideração esta mistura de elementos que compõe uma telenovela – a cultura popular, a literatura do século XIX (romance de aventuras, romance noir, romance policial, romance de amor, romance rose, romance social), a narrativa oral, a condicionante comercial, a audiência, o contexto sócio-cultural, etc. – para assim, contribuir com uma crítica sensível à telenovela enquanto construção compartilhada entre os produtores (autor, diretor, produção técnica) e a audiência. Ou seja, a crítica de telenovela deveria combinar em suas análises os dois elementos fundamentais ao entendimento do fenômeno telenovela: o conteúdo e a recepção.

O produto telenovela, ao longo de mais de 35 anos, construiu um repertório próprio, feito de representações identitárias, da realidade social e do indivíduo, revestido de desejos imagéticos. O produto telenovela possui uma história cultural em comum com o telespectador que se traduz numa estratégia de comunicabilidade.

Isso é algo de importante a ser notado e a crítica especializada simplesmente não toca neste assunto ou utiliza este fato de maneira negativa, induzindo a se pensar (e isto já foi quase incorporado por alguns escritores e até por alguns atores) que se faz a mesma novela há anos. Este repertório compartilhado é na verdade o grande trunfo da telenovela, minar por dentro esta estrutura é jogar o jogo de uma certa intelligentsia para quem o popular foi sempre matéria culturalmente inferior.

Ora senhores, alguém já falou que nada melhor do que conhecer a história para se proteger dela, pois bem: a crítica por muitos anos negou ao cinema o status de produto de interesse estético em função de seu fascínio sobre as massas populares. Reconhecer a telenovela como um produto artístico, com sua especificidade própria, sem a tentação de compará-la aos outros segmentos culturais, encontra os mesmos obstáculos de sempre: o elitismo aristocrático e o mito da identificação do popular com aquilo que é imediatamente identificável. Se isso fosse verdade não haveria oscilação dos números de Ibope entre as telenovelas, essencialmente um produto popular.

Esta concepção fatalista do produto telenovela é rasa do ponto de vista crítico. Ligar o popular ao simples, ao facilmente identificado, é não enxergar (ou não querer enxergar) as mudanças fundamentais sofridas pela cultura popular ao longo do tempo.

O popular não é simples, ao contrário, ele é uma rede, é um entrelaçamento de vários fatores – submissões, resistências, cumplicidades, impugnações – que o torna dinâmico e complexo do ponto de vista estrutural. Reconhecer os grupos, sua estruturação, seus desejos e transformar isto em uma narrativa comunicável e atrativa do ponto de vista imagético, requer muito mais do que simplesmente repetir velhos cânones. Pensamos que a crítica de telenovela deveria estar mais atenta às estratégias de interação propostas pelos autores de telenovela, isto é, na marca de comunicabilidade dos textos

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A Situação Primordial De Reconhecimento

No artigo anterior, chamamos atenção para o fato do produto telenovela ser um construto de representações identitárias, revestido de desejos imagéticos e que esta situação de reconhecimento se traduziria numa estratégia de comunicabilidade. Pois bem, se perguntarmos qual é a principal base dramaturgica de uma telenovela não teríamos nenhuma dificuldade em responder que é a família. E por qual razão? Porque a família representa para a grande maioria dos telespectadores de telenovela a situação original de reconhecimento. É na organização familiar, em sua cotidianidade, que os indivíduos se reconhecem e se confrontam.

Sem esquecer os problemas sociais e políticos inerentes a instituição família (seus aspectos repressivos, a contaminação burguesa, etc.), mas focalizando o olhar sobre o aspecto de cotidianidade familiar, não temos como deixar de notar que a família é, ainda hoje, o maior espaço de consumo da telenovela brasileira. É para essa instituição que o autor de telenovela irá criar seu discurso ficcional e, sem sermos puristas, esta relação não é unilateral, a instituição família também irá mediar o próprio discurso ficcional do autor, ou seja, ela também participará ativamente na configuração social e cultural da telenovela.

Isso não é nenhuma novidade para um autor de telenovela, mas, por mais incrível que isso possa parecer, não tenho visto ultimamente muitas críticas preocupadas com esta importante relação de proximidade entre a realidade cotidiana e o mundo ficcional da telenovela. Uma boa crítica, preocupada em fomentar o debate em torno de um produto cultural tão importante ao nosso país (em termos econômicos sim, porque é indústria, mas também em termos de desenvolvimento social), deveria se preocupar em analisar melhor e com mais consistência a relação de interação e de comunicação que se dá entre a telenovela e o cotidiano.

Por exemplo, Martin-Barbero faz uma importante observação comparativa entre o espaço televisivo e o espaço cinematográfico: diz ele que a televisão é regida pelo eixo da proximidade e da magia de ver enquanto o cinema é dominado pela distância e pela mágica da imagem. Enquanto no cinema a função comunicativa é a poética, na televisão, que é dominada pela magia do ver, a função comunicativa estaria no poder de síntese entre o cotidiano e a ficção.

A estratégia de comunicabilidade da telenovela estaria em produzir a sensação de cotidianidade, dando forma a ele. Quando a crítica apenas menciona os exageros de maquiagem, de iluminação ou de interpretação de um ator de telenovela, ela está na verdade fazendo uma observação empírica que qualquer telespectador de telenovela saberia fazer, este não é o papel da critica especializada. Todo espectador de telenovela sabe quando algo não vai bem, quando um código foi interrompido, mas não sabe falar sobre sua “gramática”, este sim deveria ser o papel do crítico.

Se a proximidade é uma das bases do veículo televisão, é fundamental que haja também uma proximidade dos personagens e da situação dramática. O discurso e os personagens devem dar a impressão de uma certa familiaridade, devem produzir um efeito de proximidade, até mesmo sobre aquilo que estaria muito distante no tempo ou no espaço.

Dar forma familiar ao discurso ficcional, mesclar a ficção de uma telenovela ao mundo cotidiano, real, dar este efeito de proximidade, usando de clareza, simplicidade e economia, é o grande desafio para um autor de telenovela.

Tomando a família como a situação original de reconhecimento é fundamental que os procedimentos, os dispositivos e os sistemas dramáticos utilizados pelo autor de telenovela estejam direcionados para uma construção ficcional que dê forma a uma cotidianidade familiar, que tanto é o lugar de relações arquetípicas, primordiais, como também é o lugar das experiências ambíguas.

Martha Ribeiro é Doutoranda pela UNICAMP/IEL. Diretora, pesquisadora e roteirista.

É pesquisadora, roteirista e Doutoranda pela UNICAMP/IEL.

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