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O rádio e eu

VIDA DE ROTEIRISTA, por João Carlos Viegas

Num agosto, houve minha estreia no rádio. Deixara o magistério e, orientado por Ghiaroni, um dos maiores novelistas do país, consegui emprego de roteirista na rádio Bandeirantes. Na época, a função era chamada de “redator”. A primeira dificuldade foi encontrar roteiros de rádio para me orientar. Minha base: scripts antigos e alguns livros em espanhol. Nas culturas alemã e hispânica, o rádio tem relevância e há interesse em estudar a produção desse veículo. As primeiras novelas radiofônicas que chegaram ao Brasil eram produzidas em Cuba.


A outra dificuldade foi enfrentar o preconceito com o rádio AM que era considerado um veículo menor. Quando descobriam que eu trabalhava em rádio, perguntavam: “AM ou FM”. AM, do inglês, “amplitude modulation”; e FM, Frequência Modulada. Na época as FMs eram restritas a um público considerado de elite e, embora já existissem aparelhos com a opção de FM, o AM era mais popular. Ao revelar que trabalhava em AM, diziam sempre que a empregada da casa ouvia ou que, tinham entrado num táxi, e o taxista estava ouvindo uma AM. Por isso, até hoje, sou grato a duas categorias profissionais pela audiência que me deram: empregadas domésticas e taxistas.


No sentido horário: Artur Choquito, Costa Júnior, Antônio dos Santos (em pé), João Carlos Viegas e Francisco Barbosa.

Num texto, precisei do depoimento de uma criança porque a experiência que a personagem teve na infância seria importante para desvendar o comportamento que adotara na idade adulta. Nunca gostei de adulto interpretando criança que sempre me pareceu caricato. Como fazer então? A ideia foi a seguinte, uma volta ao passado, com a personagem adulta narrando o que acontecia com ela ainda criança. Saiu assim:

Técnica: passagem de tempo

Atriz adulta: Eu me vejo entrando na casa e percebendo meu pai bêbado. E eu falei com ele que não aguentava vê-lo todo dia naquele estado…..

E lá ia a personagem contando a experiência de ver o pai bêbado. Descobri o truque de carpintaria radiofônica sozinho e usei muito quando precisava de fases diversas da vida de algum personagem. No rádio, muita solução surgia assim, da experiência. Ouvi o mesmo em relação à tevê. A aprendizagem, principalmente da produção, se fazia na prática porque as escolas ainda não existiam. Havia a dramaturgia do teatro, do cinema e dos textos literários. Mas nem sempre funcionavam e a percepção do radialista era fundamental.


No sentido horário: Wanya Rocha, Isabela Reiner, Honório de Souza, Aldenora Santos, Sérgio Ricardo, Ana Davis e João Carlos Viegas.

Com o tempo, pude organizar a linguagem dos roteiros e tinha uma base adequada para que atores e sonoplastas pudessem se orientar. Abaixo, um exemplo de roteiro:

Técnica: vinheta

Narrador(apresentando): Boa noite.  Vou levantar a bola para você.

Ator (na deixa): Boa noite..  Levanta que eu chuto.

Comunicador: E aquele presidente de uma ONG confirmou que o pastor da igreja dos Últimos dias tem uma visão sobre uma pessoa e essa pessoa morre com um tiro uma semana depois.

Ator: Se ele é bom de visão, não sei.  Mas – se isso for verdade – o pastor é bom de mira, hein?

Comunicador (admirado): Mas o que dizer sobre isso?!

Ator (na deixa): Ele é pastor da Igreja dos Últimos Dias.  Portanto, se não é o fim do mundo… são os últimos dias….

Comunicador: Presidente do Brasil teve um encontro reservado com dirigente americano e  teria falado sobre espionagem que sofreu dos Estados Unidos.

Ator: Quando o presidente chegou na  frente do americano, ele disse: “Não precisa falar nada.  Já me contaram tudo o que você disse que ia me dizer.”

Comunicador: Você conseguiu gravar uma conversa telefônica no Planalto?

Ator: Consegui. (para o operador) Solta a gravação aí, por favor. (toque de telefone) ‘Alô, presidente?” (voz em filtro de telefone com sotaque americano) “Pode falar que a gente estamos ouvindo!”

Comunicador (encerrando): Eu só levantei a bola.

Ator (encerrando): Levanta que eu chuto!

Encerramento vinheta cai em Bg*

    *BG é Background, efeito quando o som vai sumindo devagarinho.

A carpintaria do rádio ainda pode ser encontrada na televisão e nas mídias que surgem a todo instante com o avanço da Internet.  Tenho uma convicção: o roteiro escrito é fundamental no produto final auditivo ou visual.  É um engano achar que se pode fazer rádio no improviso.


João Carlos pode ser lido no blog joaocarlosviegas.com

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A série VIDA DE ROTEIRISTA é composta de artigos escritos pelos associados da ABRA – uma maneira de abrir espaço para a opinião do autor roteirista sobre diversas questões pertinentes à profissão. As opiniões expressas aqui são de responsabilidade do autor e podem não representar o posicionamento oficial da associação.

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