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O que pensam as roteiristas finalistas do prêmio Cabíria: Thaís Fujinaga

Por Melina Guterres, Jornalista e roteirista associada a Abra

Você já se perguntou qual a participação das mulheres no cinema nacional? Das 2.583 obras audiovisuais registras na ANCINE em 2017, somente 17% foram dirigidas por mulheres e 21% são de autoria feminina. O Boletim GEMAA 2: Raça e Gênero no Cinema Brasileiro (1970-2016) mostra que histórias narradas nos filmes nacionais de grande público têm protagonismo maior de homens (62%), quase todos brancos (50%). As mulheres somam apenas 39% desse resultado, que cai dramaticamente numa proporção de 18 para 1 se considerarmos as protagonistas negras.

Para mudar este panorama, o Prêmio Cabíria, idealizado pela realizadora mineira Marília Nogueira (confira entrevista em: http://abra.art.br/blog/2017/03/26/marilia-nogueira-e-o-protagonismo-feminino-no-premio-cabiria/), surgiu com a proposta de estimular a criação de histórias com protagonistas mulheres relevantes e complexas, dar visibilidade a essas histórias, além de oferecer mais oportunidades para mulheres roteiristas. Em 2017, foram inscritos 120 roteiros e 30 deles foram indicados como semifinalistas por um Comitê de Seleção que contou com 20 roteiristas mulheres voluntárias. Depois de mais de 4 meses de trabalho, os roteiros finalistas indicados pelo Júri de 2017 foram:

Continente de Thaís Fujinaga – Prêmio Cabíria (Melhor Roteiro com Protagonista Feminina): R$ 7.000,00 (venceu o prêmio pelo segundo ano consecutivo)

Hamster, de Georgina Castro – Prêmio Incentivo às Mulheres Roteiristas: R$ 3.000,00*.

Aqueles olhos de carvão aceso, de Isabella Poppe – Tradução para o francês oferecida pela empresa francesa Manivane.

– A Terra e os Sonhos de Cássio Pereira – Consultoria de roteiro: oferecida pelo Maquinário Narrativo

A partir dessa semana, vamos publicar uma série de entrevistas com os finalistas do prêmio, começamos hoje com Thais Fujinaga. Ela ganhou o prêmio de melhor roteiro pela segunda vez, agora com o roteiro Continente que fala sobre uma família paulista que vai passar as férias no litoral.

Thais é formada em Audiovisual pela ECA/USP e, atualmente, desenvolve os longas metragens O Filho Plantado e Continente. Em paralelo ao desenvolvimento de seus filmes, também colabora como roteirista para projetos de outros realizadores, como longa A Cidade Onde Envelheço, de Marília Rocha. Escreveu e dirigiu os curtas Hoje é o seu dia, A Visita, L e Os Irmãos Mai. Os dois últimos filmes participaram de dezenas de festivais de prestígio, tanto no Brasil, quanto no exterior, e ganharam, juntos, mais de 60 prêmios e menções especiais, inclusive no Festival de Berlin e Havana.

Confira a sinopse do roteiro Continente e entrevista com Thaís.

SINOPSE ROTEIRO: CONTINENTE

Uma família paulistana de classe média baixa passa as férias em uma cidade litorânea que abriga as praias menos atraentes da costa norte do estado de São Paulo. PAULA [38], grávida de 7 meses, seus filhos GUSTAVO [13], GABRIELA [8], e sua mãe ANTONIA [64], dividem o tempo entre a praia feia, de areia escura e lamacenta, e a pequena casa recém adquirida pela família.

A casa, que fica afastada do mar, foi construída na margem de um rio de águas também escuras e barrentas, que separa a propriedade familiar do clube de veraneio construído em uma pequena ilha fluvial, na margem oposta. Descontentes com a praia e sem dinheiro para desfrutarem dos lazeres do clube, a família decide construir uma piscina. As ameaças de chuva e as dificuldades financeiras atrapalham seus planos, trazem à tona suas contradições e revelam as nuances de um cotidiano de tensão latente, acumulado de pequenas frustrações. Agora, eles precisam encontrar outra maneira de aproveitar as férias antes que o verão acabe.

Como nasceu a ideia de seu roteiro?

Os processos de desenvolvimento dos roteiros que escrevi até aqui não foram iguais, mas posso dizer que todas as ideias que deram base para a construção das minhas narrativas vieram, em alguma medida, de uma vivência pessoal. A partir da memória de uma experiência específica, eu começo a pensar personagens, espaços e situações em que uma história, um conflito possa se desenvolver. No caso do Continente, que é um filme que se passa no litoral paulista, a ideia inicial era relacionar o desejo de uma família de desfrutar o verão em uma praia pouco atraente e a crise da mulher que está no centro dessa família. Todos os espaços da trama são lugares que eu conheço e frequentei desde a infância. Muitos dos desejos e frustrações das personagens reverberam sentimentos meus em diferentes fases da vida, ou de pessoas próximas, pessoas com quem convivo. O que não quer dizer que essa passagem da vivência pessoal para a ficção seja feita de forma direta, sem elaboração. O contexto social e econômico da família e a própria trama foram criados para potencializar os conflitos internos e externos que me interessavam como autora.

O que você prioriza na construção de seus personagens?

Eu tendo a gostar mais de personagens que trazem a algum tipo de contradição. Personagens falhos, ainda em busca. Quando vejo um filme em que uma personagem tem atitudes questionáveis, mas ainda assim você consegue entender suas escolhas e partilhar seus sentimentos eu me sinto mais conectada à sua humanidade e à minha própria humanidade. Mas não acho que personagens menos complexas, ou as que se convencionou chamar de “personagens planas” não possam ser interessantes também. Cada história específica vai demandar escolhas específicas porque as personagens não existem no vácuo, não têm força por si só, na minha opinião. Sua força vem do contexto ficcional onde estão inseridas. No caso de personagens mulheres, o problema é que a falta de profundidade na sua construção, a repetição de clichês e o olhar apropriador, objetificante, por parte de realizadores homens é algo muito corrente, quase a regra. Por isso, iniciativas como o Prêmio Cabíria são importantes, assim como é essencial que ações afirmativas de raça e gênero se multipliquem em editais e concursos públicos e privados.

Já possui novos roteiros em mente? Podem adiantar algo sobre os temas? O que gostariam ainda de escrever?

Tenho alguns projetos em diferentes fases de desenvolvimento (uns ainda na ideia, outros um pouco mais elaborados, alguns em parceira com outros realizadores). Mas o que eu gostaria de escrever, embora ainda não tenha começado de fato a pensar em uma história, é uma comédia.

Quais as dificuldades que sente no mercado audiovisual? Já sentiu algum preconceito, diferença por ser mulher? 

Eu tive o privilégio de ter iniciado minha trajetória como diretora e roteirista na universidade, em um ambiente relativamente aberto à participação feminina nas funções de direção e roteiro, um ambiente cheio de mulheres (professoras e alunas) que me inspiraram e alguns homens que atuaram como importantes parceiros criativos. Talvez por ter vivido 5 anos nessa bolha eu não tenha percebido tão cedo a desigualdade de gênero presente no nosso meio.

O meu primeiro set profissional, no entanto, me colocou diante de algumas atitudes machistas. Como parte da equipe de câmera ouvi algumas “piadas” que desvalorizavam a mim e ao trabalho que estava realizando. Mas confesso que na época não achei que tinha sido vítima de machismo. Não relacionei esse tipo de agressão indireta com o fato de eu ser mulher. Apenas há uns 3 anos, ao olhar a realidade mais ampla do mercado, tanto nacional quanto mundial e ao participar de discussões dentro de grupos de mulheres trabalhadoras do audiovisual é que ficou evidente essa falta de espaço nas produções, especialmente nas funções de chefia dentro das equipes. Essa desigualdade, acredito, é um reflexo da desigualdade presente em todos os setores da nossa sociedade, em todos os campos das artes, desde sempre. A mulher ainda é vista, convenientemente, como menos capaz que os homens no desempenho de determinadas funções de liderança.

Ainda que eu não tenha sofrido de forma direta com o machismo presente no meio audiovisual – porque, como eu disse, a minha experiência nasce de uma situação que envolve privilégio e um pouco de sorte -, cada vez mais tomo consciência da importância de discutirmos o machismo e a misoginia, o racismo, as desigualdades em geral para nos fortalecermos mutuamente, para lutarmos por nossos espaços na produção nacional.

Saiba mais sobe o prêmio Cabíria:

Releia a entrevista Com Marília Nogueira para Abra:

Melina Guterres

Jornalista, roteirista, diretora, atriz, poetisa, ativista, fundadora Rede Sina (www.redesina.com.br), trabalha com produção de conteúdo, consultoria em comunicação. Tem curtas e vídeo clipe realizados como roteirista e diretora realizou extenso trabalho sobre ditadura militar no Brasil e América e produziu de seu primeiro roteiro de ficção de longa-metragem  “Clandestinos”  selecionado no Programa Ibermedia em 2009. Escreveu a série infantil “Despertos” para Panda Fillmes. Foi Jurada do Rota Festival de Roteiros do Rio de Janeiro e I Festival de Cinema Estudantil – CINEST. Como repórter trabalhou para Folha de São Paulo, Estadão, Uol na cobertura da tragédia da boate Kiss.  Estudou questões de gênero em disciplinas na pós-graduação da comunicação e teatro da USP. Além disso, fez cursos de interpretação com Fátima Toledo, Estrela Straus, Olga Reverbel entre outros. Foi presidente da Liga Jovem de Combate ao Câncer. Idealizadora de campanhas sociais. Criou e gerencia as fan pages e Salve Índios e As Mulheres que Dizem Não.  Mais em: www.melinaguterres.com

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