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Modelos de produção do cinema em discussão

Caros,


Deixem-me meter a colher nessa troca de opiniões. Na década e 60, o Cinema Novo se desenvolveu com recursos próprios, empréstimos bancários, comendo sanduíche e empenhando as calças. Muitos dizem que aquele cinema não tinha público e até que o afastou do cinema brasileiro.

Pois bem, naquela época havia o chamado Prêmio Adicional de Renda de Bilheteria, que complementava a receita do produtor. Com isso, num mercado em que a soma da receita de todos os filmes nacionais não pagava o investimento feito nesses mesmos filmes, o Adicional estimulava o investimento privado de quem realmente queria fazer do cinema a sua vida.

Nenhum produtor ou diretor do Cinema Novo ficou devendo a bancos e o movimento ficou como um dos mais ricos da história do cinema brasileiro. Para mim, aquela foi a melhor forma de incentivo porque era concedido depois do filme feito.

O Adicional de bilheteria funcionava como complementação de renda e era concedido numa proporção de 15% da receita do produtor na bilheteria.

Além dessa complementação de renda, anualmente, o Instituto Nacional do Cinema, através de uma comissão de críticos (renovada a cada ano) escolhia mais 20 filmes considerados “de qualidade” que recebiam mais 10% como prêmio adicional, sempre tomando como base seu desempenho no mercado; É importante frizar que não havia incentivo fiscal antes para produção.

Por considerar esta a melhor forma de incentivo, tenho defendido a idéia da volta do Adicional de Renda numa proporção mais alta porque hoje não temos o mesmo mercado que havia naquela época. Se, então, o mercado já era pequeno, imaginem hoje. No Brasil há menos uns 1500 cinemas e muito menos poltronas oferecidas porque as salas atuais são menores.

O mais importante nesta minha proposta é que um Adicional de Renda de 100%, que certamente estimularia o investimento privado, custaria pouco e devolveria ao cinema nacional sua liberdade de expressão.

Hoje, dependemos de comissões que decidem antes quais filmes receberão os incentivos e merecem ser feitos. Os produtores buscam agradar a essas comissões, ou às empresas que têm imposto de renda a pagar e podem investir no cinema brasileiro.

Como eu dizia, sairia barato: um adicional de renda de 100% custaria menos de 20%, na verdade 10% da soma hoje aplicada no setor por meio de incentivos fiscais oferecidos antes e que resultam numa imensa quantidade de filmes que sequer chegam às bilheterias.

Para quem não sabe, a renda de um filme é dividida da seguinte forma:

  1. Renda total 100% .

  2. Descontos de impostos.

Sobram X, que viram novamente 100%.

  1. metade para o exibidor,

  2. metade para o produtor.

A metade do produtor vira novamente 100% destes, o distribuidor leva 20 a 25%. Do que sobra, são descontadas as despesas de lançamento, cópias, publicidade.

O produtor fica com a sobra, que significa de 12% a 15% do que o filme fez lá atrás, daqueles 100% iniciais

São gastos anualmente pelo menos 200 milhões de reais na produção. 20% desses recursos são 40 milhões. A receita de todos os filmes de 2004, parte do produtor, foi de 22 milhões de reais, portanto, 40 milhões triplicaria a renda do produtor que acredita no cinema brasileiro, dando a ele condições de reinvestir e caminhar com suas próprias pernas, dependendo de sua relação com o público. Este ano, por exemplo, a renda de todos os filmes nacionais somada não chegará a 10 milhões.

Um Adicional de Renda igual aqueles 100% da parte do produtor na renda de bilheteria custaria ainda menos e daria um impulso enorme ao cinema brasileiro, evitaria a burocracia hoje instalada para examinar as contas dos produtores porque o incentivo com recursos públicos atualmente vem antes do filme ser feito.

Se os filmes forem produzidos com recursos privados, não haverá necessidade de saber quanto custaram e passa ser questão exclusiva da contabilidade das empresas. Os cineastas teriam de volta a plena liberdade de escolha dos seus filmes, haveria estímulo ao investimento no setor e tudo isso custaria menos de 20% dos recursos hoje empregados na produção – sem contar os custos da Ancine e seus funcionários, que poderiam ser bem menores por não ser necessária tanta burocracia.

Como o investimento seria privado, certamente os custos dos filmes baixariam por não contarem com incentivos a priori. Na sua maioria, os jovens que hoje fazem cinema não são mais ricos nem mais pobres dos que fizeram o Cinema Novo na década de 60.

Eles empenharam a casa dos pais, o apartamento da tia, a bicicleta, comeram sanduíche, passaram noites sem dormir, fizeram filmes rápidos e inteligentes e não ficaram devendo nada a ninguém.

O Adicional perdeu-se na história, nos tempos da Embrafilme e nunca mais foi retomado. Pena porque era o mais justo incentivo que o cinema brasileiro já teve.

Hoje a produção dos filmes conta com incentivos federais da Lei Rouanet, da Lei do Audiovisual, do BNDES da Petrobrás e algumas estatais. Há incentivos diretamente concedidos pelo MINC, há estaduais e municipais, além de investimento aplicado pelas Majors, através de renúncia fiscal do governo federal.

Há quem diga que a simples substituição do sistema atual pelo que proponho paralisaria o cinema brasileiro porque ninguém investiria. Para não abandonar minha proposta por esse motivo, imaginei uma fusão, uma convivência por um ou dois anos das duas formas, até nos livrarmos do atual sistema.

Ao produzir um filme, quem se utilizasse um incentivo fiscal antes só teria direito a 50% do Adicional de Renda, quem utilizasse 2 incentivos, teria apenas 25%, até nenhum adicional. Mas o importante seria começar a mudar o que me parece insustentável ao longo do tempo.

Basta que a imprensa se dê conta do que vocês estão discutindo aqui, aliada à tradicional admiração pelo cinema estrangeiro e o complexo de subdesenvolvido que paira sobre a cabeça de muitos de nós e o cinema brasileiro estará com os dias contados. Uma canetada acaba com ele, como aconteceu nos tempos do Collor.

Para finalizar, uma das dificuldades de implantar minha proposta é convencer à Receita Federal, ao Ministério da Fazenda, ao Governo Federal, que disponibilizar no orçamento, através de uma Lei, os recursos para o Adicional de Renda é melhor e muito mais barato que oferecer renúncia fiscal e incentivos às empresas para descontarem do imposto de renda a pagar, os investimentos feitos em cinema.

A Receita é contra e falta vontade política, além da inércia dos cineastas que estão contentes com o atual status quo… A quem teve paciência de ler até aqui, meus agradecimentos.

Abraços.

Roberto Faria

Queria expressar minhas opiniões sobre esse assunto também, porque acho que ele é bem importante.

Eu entendo perfeitamente o que incomoda no Mauro (Mauro Alvim associado que começou a discussão sobre prêmios dados a filmes que nem sequer chegam a bilheteria) essa idéia torta de se premiar o fracasso de bilheteria, porque isso também me incomoda.

Acho que esse tipo de atitude mostra antes de mais nada a mentalidade equivocada que rege muitas das atitudes da ANCINE, que ao meu ver deveria ter um único objetivo na vida: aumentar nossa participação no mercado. Se o MinC – um organismo eminentemente cultural – se propusesse a dar um prêmio como esse, acho que também estaria errado, mas pelo menos faria sentido. A ANCINE não.

Apesar de também achar Amarelo Manga um filme fraquíssimo, “autoral” no sentido mais amador e juvenil do termo, acho que todo (ou quase todo…) filme tem que ser feito, porque cinema precisa também de inovação, porque através dela também se pode mudar o triste quadro do cinema nacional. Mas na atual conjuntura acho no mínimo imprudente a gente ficar brincando de Europa, e incentivando uma cinematografia que interessa mais ao autor do que ao público, que nunca nos esqueçamos, é quem paga por todos os filmes feitos.

Costumo definir minha posição sobre essa mentalidade que rege o cinema nacional dizendo que não é função do Estado dar dinheiro pra cineasta fazer filme, a função do Estado é promover a cinematografia nacional. Isso engloba muito mais do que o simples fazer filmes, e isso talvez exclua a idéia de se premiar fracassos. Agora, falando sobre o que o Roberto disse, acho que tem uma certa “destemporaliedade” no que ele disse, tanto pra frente quanto pra trás. Explico.

Acho que não dá pra se analisar o adicional de renda que existia nos anos 60 e 70, ou mesmo a possibilidade de se investir privadamente em cinema sem jogar isso tudo na perspectiva daquele tempo.

É preciso por exemplo lembrar que nos anos 60 o Brasil trabalhava com Tabela Price, ou seja, você pegava um dinheiro no banco hoje e devolvia depois de um ano acrescido de míseros 6% de juros, mais correção monetária que era de 20 ou 30% a.a..

Quer dizer, não dá pra fazer a mesma coisa num “outro país” como esse em que vivemos, onde os juros anuais beiram os 200%, ainda mais pensando que um filme pode demorar 2 ou 3 anos só pra entrar nas salas, pra depois de um tempo começar a se pagar e depois de um outro tempo começar a dar lucro.

Não dá pra se esquecer que naquela época o ingresso custava uma fração insignificante do que custa hoje, e que ingresso barato atrai o público natural de qualquer cinema nacional, em qualquer lugar do mundo, incluindo os EUA. Ou seja, naquela época era possível sim se prever um retorno significativo de bilheteria, porque:

  1. Havia muito mais salas

  2. Elas estavam próximas do grande público

  3. O ingresso era barato

  4. Por conseqüência a participação do cinema brasileiro era bem maior do que a que temos hoje.

Não dá pra esquecer também que os filmes feitos naquela época eram muito mais baratos do que os feitos hoje, e mais baratos ainda do que o público espera e exige dos filmes hoje. Mudou o padrão.

De qualquer forma, primeiro com o INC e principalmente depois de 69 com a EMBRA, o esquema mudou completamente, e isso era possível acontecer naquela época, hoje também não é mais.

Em suma o que quero dizer é que não dá pra dizer que se dava certo lá, ENTÃO dá certo aqui. Acho que a coisa é bem mais complexa do que simplesmente se transpor uma idéia de um lugar pra outro. Ela talvez simplesmente não caiba mais.

Isso é o que vejo de “destemporal pra trás”, mas tem o “pra frente” também, quer dizer, esse sistema onde o produtor banca o próprio filme e depois é recompensado pelo filme feito pode muito bem fazer parte do futuro do cinema nacional, (como já fez do passado) mas não vejo como possa fazer parte do presente. Não acredito que tenhamos estrutura hoje, no curto ou no médio prazo pra fazer essa mudança.

No entanto o texto do Roberto (como sempre) tem um valor inestimável, porque traz aquilo que mais sinto falta de ouvir no meio hoje: a idéia do Roberto de alguma forma mira em sustentabilidade no setor, mira até em uma certa independência, e mira num sistema mais próximo da meritocracia, e estes sim são conceitos muito atuais, muito contemporâneo e muito alinhados com o mundo em que vivemos hoje.

Mais do que tudo a idéia do Roberto corrige um desvio fatal de rota, porque nesse esquema proposto por ele, o produtor é premiado na exibição e não na produção como acontece hoje. O problema me parece ser a sua inaplicabilidade imediata.

De certa forma o Roberto já demonstra uma certa concordância com isso, quando pressupõe um período híbrido de transitoriedade de dois anos entre um modelo e outro. Não acho que isso possa se mudar em tão pouco tempo, mas principalmente não acredito que uma mudança desse calibre possa acontecer só escorada em tempo.

Não basta só o tempo passar, nem 2 anos, nem 20, é preciso que nesse tempo, seja ele qual for, mude também a mentalidade, a forma de se olhar pro cinema, mude a expectativa com modelo de negócio, mude – tanto nos dirigentes quanto nos fazedores do cinema nacional – o olhar pra coisa toda, entendendo por exemplo que não há cinema no mundo que funcione com praticamente todos os seus recursos voltados exclusivamente pra produção, e sobre quase nada pra distribuição e promoção do cinema (como acontece aqui).

É necessário que mude a mentalidade pra se entender que precisa disposição pra cortar na própria carne e “conceder” um remanejamento das verbas dedicadas à produção também para a distribuição e também para incrementar o circuito exibidor, hoje com pífias 2000 salas, contra 36000 nos EUA e 4500 na Argentina.

Enquanto não se olhar pra cinema como “negócio”, acho que não teremos pra onde ir, nem com as boas idéias do Roberto.

Romeu di Sessa, Vice Presidente da ABD-SP, é Roteirista e Diretor.

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