Mimesis, termo que se originou do verbo grego mimeisthai, geralmente traduzido por “imitar”, designa efetivamente uma imitação da “realidade”. Neste artigo, objetivamos demonstrar que se o termo mimesis indica uma relação entre a obra de arte e seu objeto (aquilo que se imita), conseqüentemente também aponta o conjunto de procedimentos que regem esta mesma relação, isto é, o modo como se dá a imitação.
A noção de representação na tradição da arte ocidental está profundamente ligada ao conceito de mimesis, particularmente a arte dramática por lidar com personagens. A ampla discussão sobre o conceito encontra suas bases nos dois maiores sistemas filosóficos gregos, o platônico e o aristotélico: seria a mimesis uma simples cópia da realidade vista, um retrato do mundo exterior, ou uma re-apresentação desta realidade, isto é, o resultado de uma atividade poética sobre a realidade? Seria a mimesis cópia ou imitação?
Na República, Platão sustenta que a obra dramática é uma arte ilusória que reflete o mundo de aparências à sua volta : O poeta, diz Platão, com sua arte ilusória diz o falso como verdade. Por não imitar a Idéia, mas a aparência sensível, a criação mimética opera por ilusões. Extremamente sedutora esta falsa cópia se apresentaria nociva a Pólis grega, devendo por isto ser banida. Entendendo toda arte mimética como virulenta e degradante (o famoso argumento das três camas), Platão, paradoxalmente, inaugurou, por via negativa, o primeiro grande pensamento ocidental sobre o drama.
Para Aristóteles a mimesis não se aplica ao mundo das Idéias. Sendo seu objeto a ação humana ela trata de possíveis interpretações do real: a arte é o produto do gesto humano de imitar tanto a natureza quanto às ações humanas. Esta afirmativa aponta, de antemão, a estreita semelhança existente entre os seres ficcionais e o homem, já que, entre outras coisas, Aristóteles afirma que o objeto da poiesis (produção artística) é imitar homens em ação, transformando-os em melhores (tragédia) ou piores (comédia). Mas é importante ressaltar que a preocupação de Aristóteles não se esgota na idéia de representatividade, a cópia exige o desenvolvimento de uma operação ordenadora.
Ao mesmo tempo em que é possível verificar na mimesis a presença de uma faceta antropomórfica, também se verifica uma preocupação sobre a ação, ou seja, sobre os procedimentos de imitação: os modos e os meios utilizados pelo artista para a composição da obra. A mimesis corresponderia a uma especial atividade do imaginário sobre o real, que, além de proporcionar prazer, também produz saber. Diz Aristóteles: “[…] é mister ater-se sempre à necessidade e à verossimilhança, de modo que a personagem, em suas palavras e ações, esteja em conformidade com o necessário e verossímil”. É uma mudança radical do conceito de mimesis: A obra do poeta não é uma simples cópia da aparência, ela é o resultado de um trabalho organizador sobre uma matéria-prima (a ação do homem).
Assim, a dialética platônica de oposição entre essência e aparência é refutada pela lógica aristotélica das mediações, isto é, a arte passa a ser a grande intermediária entre estas duas naturezas distintas, a ponte que liga a ficção (utilização livre da matéria) e a realidade (a idéia, o princípio), não sendo nem uma nem outra, a arte, por natureza híbrida, permite a fluidez entre estes dois domínios. Abaixo um quadro demonstrativo da operação mimética:
Nota-se que a personagem-verossímil é o resultado de um conjunto de regras ou sistema de procedimentos utilizados pelo poeta/artista para relacionar a realidade e a ficção, para atingir uma referencialidade externa, pautada por um possível. Sendo a comédia e a tragédia artes que imitam as ações humanas na ordem do verossímil, sua distinção incide sobre três operações: os meios de imitar, isto é, a linguagem; os objetos imitados, ou seja, as ações humanas (se são piores ou melhores); e os modos de imitar os fatos (a ação dramática).
Como conclusão de nosso breve estudo, algumas palavras a mais sobre o significado do termo verossimilhança.
Todorov salienta de maneira bem instigante o termo. O autor afirma que para analisarmos o verossímil devemos introduzir no exame uma dimensão histórica, pois o que era verossímil numa época passa a ser pura convenção em outra: “O verossímil não pode existir em nenhum passado, tampouco tem lugar no presente. […] O verossímil de que somos contemporâneos é precisamente o que chamamos de natural. Na medida em que obedecemos à lei do verossímil, não o percebemos; desde que tal percepção se produza, a lei recua no passado, revelando os traços da convenção”.
Não existindo assim um caráter verossimilhante imutável, cristalizado à margem do tempo, mas códigos e normas ideológicas culturalmente ligadas a um período histórico, o termo verossimilhança é uma técnica artística para captar o tipo de discurso ficcional mais adequada à realidade que se quer descrever.
OBRAS DE APOIO
ARISTÓTELES. Poétique. Paris: Les Belles Lettres, 1969.
PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999.
PRADO, Décio de Almeida. A personagem de ficção. São Paulo : Perspectiva, 1981.
ROCHA FILHO, Rubem. A personagem dramática. Rio de Janeiro : INACEN, 1986.
TAMINIAUX, Jacques. Le théâtre des philosophes: la tragédie, l’être, l’action. Jérôme Milion: Grenoble, 1995.
TODOROV, Tzvetan. Estruturalismo e poética. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1971.
* Pesquisadora, Roteirista e Doutoranda pela UNICAMP/IEL.
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