Entrevista com GLAUCIA DAVINO
Doutora em Ciência da Comunicação, Mestre em Artes e Bacharel em Comunicação Social, Cinema, pela Universidade de São Paulo; Docente e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar Educação, Arte e História da Cultura e do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie; coordenadora do projeto HISTORIAS DE ROTEIRISTAS.
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Raízes do projeto
“Histórias de Roteiristas” é um projeto inédito de pesquisa vinculado à academia universitária e que tem suas raízes em inquietações que iniciaram na década de 80, período confuso e de transição entre o esgotamento dos cinemas novos, no mundo, e da formação de uma nova geração de cineastas, no Brasil, que premia por novos valores estéticos, temáticos, mercadológicos, de expressão e de empreendimento para a área.
ABRA: O que despertou em você essa inquietação?
Me formei em Comunicação Social, com habilitação em Cinema, na ECA USP (era assim que se chamava na época o curso de Cinema na ECA). Para uma disciplina, tínhamos que criar projetos que seriam lidos, avaliados e selecionados pelos professores. Os dois ou três “melhores” seriam filmados e o próprio autor dirigiria “seu filme”. Não havia aulas de roteirização. As pessoas tinham suas ideias e punham no papel. No último semestre, chegou o dia do anúncio da escolha de nossas “obras maravilhosas”. O Wilson Barros (roteirista e diretor, já falecido) que tinha acabado de entrar como professor na ECA, chegou com os roteiros – todos os da turma – e os jogou na mesa: “Isso tudo aqui está uma merda!!!!”. Perguntei: “Como assim, uma merda?”. Ele: “Vocês não sabem escrever roteiro”.
Ele tinha razão, não sabíamos. Não havia qualquer tipo de suporte, ninguém sabia sequer ensinar. Fiquei muito instigada pela incapacidade do exercício didático do roteiro na universidade e o respectivo resultado no mercado cinematográfico e televisivo da época. Então, se a universidade, que é a formadora da nova geração, não era capaz de dar subsídio para esse problema, eu fui em busca de investigar, por minha conta, o tema. Naquele período, não havia cursos livres, internet, teses. Academicamente, não havia quem abordasse a questão e poderíamos encontrar uns dois ou três livros sobre o assunto. Esta inquietação e, de certa forma, angústia, resultou não apenas na dissertação de mestrado[1] e na tese de o doutorado[2], mas anos mais tarde, a concepção do projeto intitulado Histórias de Roteiristas.
Afinal, havia roteirista no Brasil, assim reconhecido? Quem eram eles? O que faziam? Qual sua formação?
edição 2011 do Histórias de Roteiristas
ABRA: O que mudou nesse tempo?
Mais tarde, eu já formada, o Wilson Barros se tornou o professor oficial de roteiro. E, quando ele faleceu, o Jean-Claude (Bernardet) assumiu seu lugar. Numa entrevista com Jean-Claude, ele contou que foi verificar como eram aulas de roteiro, em outras instituições no mundo.
Atualmente, a própria estrutura curricular do curso, denominado Superior do Audiovisual, prevê uma sequência de componentes curriculares na área do roteiro. Vimos crescer o interesse em torno do exercício do ofício de roteirista ao longo das décadas. Constatamos que muitos jovens projetam este desejo para suas carreiras.
E no entanto, se imaginássemos que hoje haveria, na academia, intensa ação ou crescente aumento de empenho, investimento ou incentivo à pesquisa nesta área, por decorrência do boom exponencial de aspirantes-roteiristas, ainda estaríamos enganados. E isso, em que pesem o número crescente de títulos de livros publicados e o aumento de canais para a distribuição do conteúdo audiovisual.
Um projeto acadêmico fora do padrão – o Piloto –
O projeto foi concebido em 2004 e o piloto foi realizado em 2006, com o apoio do Mackpesquisa[3], na Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde sou docente e pesquisadora. Na ocasião, era algo ousado pois o resultado seriam vídeos e não livros.
ABRA: Mas que histórias são essas?
Visto a falta de reconhecimento das atividades deste profissional no mercado, o projeto Histórias de Roteiristas se propõe a iniciar um trabalho de mapeamento dos roteiristas brasileiros contemporâneos, conhecer suas trajetória sob o enfoque da função roteirista, através de histórias sobre eles mesmos, no intuito de desvendar “quem são os roteiristas brasileiros”: o que fazem, suas origens, experiências, vivências, o que pensam, como se sustentam, o que os inspira, como eles vivenciam o mercado, etc. As entrevistas estão sendo gravadas em vídeo e editadas segundo um critério que agrupa as falas como em capítulos temáticos, a partir dos conteúdos trazidos por cada autor, ou seja, sem questionário prévio, apenas “provocações”. O roteirista é o autor de sua própria fala.
A concepção do título é um jogo, quase que um trocadilho. Uma brincadeira em torno da dúvida que paira sobre o entendimento que se faz do trabalho do roteirista. Parece haver uma compreensão difusa entre roteirista e escritor, entre roteirista e diretor, entre história e roteiro, entre ficção e documentário, fato e ficção, escrever e roteirizar…
A lógica gira em espiral: Se o filme conta uma história, então o diretor é um contador de histórias. Mas, se o roteirista, que é quem escreve a história que vai ser contada, é ele também um contador de histórias. Mas, ele não faz filmes, ele escreve. Então ele é escritor. E o jogo de ideias não termina aí, visto que em português o termo equivalente a story, estória, não faz parte da língua oficial. Então, resolvemos assumir a vertigem da meta linguagem no projeto: quem vai contar as histórias é o roteirista; mas não as histórias que eles inventam para contar, e sim as histórias verdadeiras (ou não…) sobre eles mesmos.
Histórias que os roteiristas contam, no instante de uma conversa
Histórias de Roteiristas se interessa tanto pela temática do “contar histórias” e por “quem as conta”, como pela materialidade conceitual de tantos confrontos que ele investiga: “linguagens escrita versus audiovisual”, a cadeia de produção e a efetiva autoria, tema tão caro ao roteiristas, diretores e produtores. Nossa pesquisa aborda a trajetória desses profissionais, se servindo de biografias audiovisuais e fala das próprias histórias de quem tem, como profissão, contar histórias.
em 2013
ABRA: Na prática?…
Histórias de Roteiristas se desdobra em dois tipo de ação. Uma é a pesquisa, com as entrevistas; a outra é composta pelos seminários anuais. Os seminários são eventos de caráter acadêmico-profissional, únicos e inéditos no Brasil. Embora haja entidades que promovam o assunto audiovisual, não há qualquer evento de nível superior na área do roteiro. O objetivo é o intercâmbio acadêmico, cultural e profissional a partir de apresentações, discussões e reflexões sobre o setor, além das diversas relações com a criação, produção, exibição e história. Desta forma, as atividades acadêmicas se concentram na promoção dos GTs (grupos de trabalho), painéis, mesas e palestras e as atividades de cunho prático-profissional, nos workshops “Vivências e Experiências”, minicursos e Rodadas de Projetos.
O objetivo geral foi o de dar início ao estudo do audiovisual brasileiro contemporâneo, segundo a realização artística daquele que idealiza o filme, o roteirista: fazer um levantamento dessas personalidades; traçar um perfil do universo dos roteiristas brasileiros e contribuir para o registro e, principalmente, para a memória da trajetória do cinema nacional, legando ao público vídeos em que eles próprios contam essas histórias, em primeira pessoa. Desse modo, contribuímos fazendo emergir o roteirista oculto em cada obra ou conjunto das obras. O projeto está em andamento e já foram realizadas mais de 10 entrevistas com roteiristas cujas trajetórias diversas ampliam no campo de interesse da nossa pesquisa.
Neste percurso, a antiga AC (Autores de Cinema), através do então presidente Di Moretti, foi um de nossos maiores apoiadores. Hoje, uma vez concluída a fusão da AC com a AR (Associação de Roteiristas), a ABRA vem nos propor esse verdadeiro ABRAço, em forma de parceria. Ou seja, à junção de duas forças em busca da valorização do roteirista, Histórias de Roteiristas vem aportar sua contribuição de registro, memória e formação efetiva de grandes criadores audiovisuais.
ABRA: E afinal, quem é o roteirista, esse criador invisível?
AH… Um pouco mais de suspense… Em breve a revelação será feita (rsrsrs). Estamos preparando o lançamento de uma coleção de pílulas em vídeo de 3 minutos, onde os Roteiristas, eles mesmo, tratarão de se revelar, em múltiplas respostas, dadas sempre na primeira pessoa.
Linha do tempo
2006 – Piloto da pesquisa;
2008; 2010 e 2012 – outros capítulos da pesquisa.
Em 2009, inauguramos o I Seminário Histórias de Roteiristas, com o tema “Novo paradigma audiovisual”; em 2010, o tema é “Arte e Comunicação na Era dos Roteiristas”; seguido por 2012 com “Múltiplas Telas; 2013, Roteiro – dispositivo audiovisual; 2014, Cenas das Interfaces com o mercado; 2015, Entre Encanto; Conhecimento e em 2016, com o tema Roteiristas no Ponto de Virada. Cada seminário gera um livro.
Historias de Roteiristas uma década após o piloto
Quem disse que terminou? Seminários Histórias de Roteiristas, uma agenda anual
Um dos maiores desdobramentos desta pesquisa foi a concepção e realização anual dos Seminários Histórias de Roteiristas que, em uma década, vem ajudando a perfilar esse criador invisível na tentativa de responder à questão: Quem é o roteirista brasileiro.
Dias 25 e 26 de novembro de 2017, acontecerá o VIII Seminário Histórias de Roteiristas, uma realização do Núcleo Audiovisual, LHUDI, PPG EAHC e CCL. Local: Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo, SP. Brasil
E a ABRA está desde já convocada para participar do evento compondo uma mesa de discussão.
Links para os sites dos eventos:
2009 – http://historiasderoteiristas.blogspot.com.br/2009/11/i-seminario-historias-de-roteiristas.html
[1] DAVINO, Glaucia. O Roteiro de filme de ficção. Um estudo de caso “A hora da estrela”. Dissertação. São Paulo: ECA USP, 1993
[2] DAVINO, Gláucia. Roteiro, elemento oculto no filme. Filme, a cristalização do roteiro. Tese. São Paulo: ECA USP, 2000
[3] Fundo Mackenzie de Pesquisa, abreviadamente Mack Pesquisa, foi criado pelo Conselho Deliberativo do Instituto Presbiteriano Mackenzie por meio da Resolução 01/97 e deliberação CD/IPM 001/200. http://mackpesquisa.mackenzie.br/
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