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Entre as ruínas de um prédio que nunca se ergueu

*Artigo escrito pelo associado da ABRA Ismael machado (escritor, roteirista, jornalista)

Ao dramaturgo alemão Bertolt Brecht é atribuída uma frase sintomática. “Que tempos são esses em que precisamos defender o óbvio? ”. Mais que uma frase reproduzida em imãs de geladeira, a perplexidade estampada na pergunta encaixa-se à perfeição no cenário vivenciado pelo Brasil atual. A lista de fatos, não fatos vomitados como se verdades fossem, atos e desacatos à civilização são tantos que enumerá-los tomaria todo o espaço a esse texto.

Acorda-se e antes que o café da manhã seja disposto à mesa torna-se sempre necessária a atualização das atrocidades e barbaridades diárias. E elas são democráticas. Passam da educação ao meio ambiente. Da segurança pública à economia. Da afronta às leis aos direitos básicos das chamadas minorias.

E à cultura.

Há diversos ataques ao setor cultural. Informações falsas sobre a Lei Rouanet, por exemplo, criaram estereótipos reducionistas como os que dizem que artistas mamam nas tetas do governo. Vagabundos, em síntese.

O audiovisual passou a receber nos últimos tempos, uma “atenção” especial do atual governo. O recado parece claro: é necessário acabar com o já construído e se estabelecer uma lógica cujos resultados são previsíveis. Em síntese, encerrar a política de cotas nacionais, desmontar regulações que salvaguardam a produção brasileira, entre outras decisões tomadas em gabinetes refrigerados. Há também em curso um movimento que ao fim e ao cabo, irá pulverizar pequenas e médias produtoras, principalmente as que estão distantes do grande eixo.

A cereja do bolo no processo de desmonte é a entrada em cena do quinhão comportamental conservador, presente em todas as ações do atual ocupante do Palácio do Planalto. E a censura voltou a arreganhar dentes. Em uma de suas famigeradas lives (já que lidar com a imprensa tradicional o colocaria sempre na incômoda posição de ouvir perguntas e argumentar) o inquilino do Palácio do Planalto cometeu, de uma tacada só, diversos crimes: racismo, homofobia, improbidade administrativa. E praticou censura.

O alvo direto foi o Prodav TVs Públicas 2018. Atacando produções que lidavam com temáticas negras e LGBTs, a pessoa que colocou a faixa presidencial em janeiro, mandou suspender o edital. O fato é que produtoras de diversos pontos do país contavam com o fluxo normal desse edital para se planejarem diante do ano 2020. Significava trabalho, emprego. Significava, para muitas, a sobrevivência. Grande parte das que aguardavam a decisão de investimento são produtoras pequenas e médias. Distantes do eixo. Com menor capilaridade. Mal comparando, é como se fossem pequenos produtores de agricultura familiar, ou seja, não seriam commodities como a soja, mas sim os que efetivamente colocam comida na mesa. Não exportam, mas abastecem o mercado local.

O homem que se preocupa com a beleza e a idade da companheira de outro presidente costuma dizer, quando se refere a latifundiários e grandes indústrias, que é necessário que esse setor produtivo não tenha entraves burocráticos para produzir ‘riquezas e gerar empregos’. Não segue a mesma lógica com o setor audiovisual, uma indústria que busca mostrar à sociedade o impacto de mais de 300 mil empregos gerados e 25 bilhões de recursos injetados na economia do país.

De nada adianta.

Na última edição do Festival de Gramado, o evento de cinema que efetivamente põe a cidade gaúcha no mapa, trabalhadores e trabalhadoras do audiovisual pisaram no tapete vermelho do local onde as premiações seriam anunciadas numa caminhada de protesto contra a censura que começa a ganhar ares de política de estado no país. Censura não é algo bom para ninguém. Censura prejudica uma sociedade. Censura é uma violência.

Pois foi com violência que essa manifestação teve resposta. Pedras de gelo atiradas contra os trabalhadores e trabalhadoras do audiovisual. Uma criança que estava no colo de um desses trabalhadores foi atacada com pedras de gelo.

É um comportamento que se repete à exaustão. Pequenas e grandes violências cotidianas. De um governador que comemora, já contabilizando votos futuros, a morte de um homem que fez reféns na ponte Rio-Niterói. De um ministro do meio-ambiente que afirma com todas as letras que a política de biodiversidade na Amazônia é um fracasso e deveríamos buscar alternativas. E a floresta arde em chamas. De uma ministra que afirma ser a culpa dos estupros de meninas no Marajó a ausência de calcinhas. De procuradores da República que ironizam e tripudiam da dor de um ex-presidente preso na morte de um irmão, da esposa e de um neto.

Leis têm sido atropeladas diariamente no país. As conquistas civilizatórias da Constituição de 1988 não são defendidas nem por quem deveria ser seu maior defensor, o corpo de notáveis do STF.

Os ataques sistemáticos aos trabalhadores e trabalhadoras do audiovisual brasileiro não são ações isoladas. Fazem parte de um contexto maior. Inserem-se num quadro geral de destruição paulatina e- teme-se- irreversível do estado brasileiro.

Não foi por falta de aviso. A história – não por acaso combatida pelos atuais inquilinos do poder- ensina. Em 1923, Adolf Hitler concedeu uma entrevista à revista Liberty. Ali, naquele documento hoje histórico, o fundador do Nazismo já anunciava o que viria a fazer. E fez.

O mesmo ocorreu aqui. E ‘ele’ está cumprindo o que prometeu. Nem mais, nem menos.

Ismael Machado é membro da ABRA

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da ABRA, sendo de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.

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