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Crime e Castigo na Ficção

Mauro Alvim

A maior dificuldade de um escritor ou roteirista ao escrever uma história policial de assassinatos e serial killer, está justamente quando este quer manter segredo de quem é o assassino para revelá-lo no final. Certa vez, indagado o legista Badan Palhares, sobre se este gostava de filmes nesse tipo, o mesmo respondeu: “Não. De um modo geral estes filmes não mostram a prova cabal antes da conclusão final.”

Tomo como exemplo a novela “O REBU” que encerrou recentemente. A  coisa caiu no óbvio desde o primeiro capítulo quando a personagem Duda, em prantos, cantou uma música dedicada ao maior amor da sua vida, o Bruno, que dali a pouco estava morto. E no decorrer da novela, achei que ela leva uma vida normal para quem acabou de cometer um assassinato, até mesmo se enamorando por outro. Fico a lembrar da tese da Renata Palotini intitulada O PERSONAGEM, onde ela diz que um personagem ao cometer uma ação, ele deixa de ser o mesmo no minuto inicial após ter cometido tal ato.

Não apenas na citada novela, mas em outras produções cinematográficas e televisivas, tenho visto alguém cometer um assassinato e depois levar a vida normalmente, como se nada tivesse acontecido, procurando apenas despistar o crime. Ora, uma pessoa normal que por algum motivo vem a cometer um crime, independente de qual seja, deixa de ser aquela pessoa normal pelo resto da vida. Nos meus tempos de faculdade de direito, lembro do quanto este assunto foi abordado dentro da matéria de Criminologia. E também cheguei a ter um exemplo quando, nos meus tempos de estagiário, me incumbiram de levar uma senhora que havia assassinado ao marido para se entregar na polícia.

A bem da verdade, ela havia matado o cônjuge, uma vez que este, embriagado, começou a esfaqueá-la no braço, ela passou a mão num machado que estava próximo e acertou em cheio o crânio deste, ocasionando-lhe a morte.  Imaginava ela que seria presa imediatamente mas, uma vez que não houve flagrante, ela foi posta logo a seguir em liberdade. Tratava-se de uma senhora humilde, desconhecia o direito criminal, imaginou que eu tivesse feito uma grande proeza em não deixá-la ir para a cadeia, queria vender a sua casa para me pagar. Lógico que eu não pude receber pois era estagiário. Os trâmites burocráticos se arrastaram por mais de cinco anos e antes dela ser levada a júri, esta senhora veio a falecer, certamente em consequência de depressão ocasionada pelo seu ato.

Estou sendo muito trágico? Apenas citei o caso acima como exemplo de que o fato de uma pessoa normal tirar a vida de outra irá ocorrer uma mudança geral na sua vida. Diferente daqueles casos em que um indivíduo é um marginal, sem escrúpulos para atirar em outro, ou treinados para tal feito vimos em TROPA DE ELITE ou no clássico VALE DAS SOMBRAS, lançado em 2007,  ( com Tommy Lee Jones e Susan Sarandon), que retrata o quanto os soldados americanos são treinados para matar na guerra.

Os senão, existe o caso dos psicopatas, exatamente aqueles que não arrependem do que fazem, o ato de matar é fato corriqueiro para estes. Quer exemplo melhor do que o Norman Bates do clássico “PSICOSE” de Hitchcock? Com toda sua maestria, o mestre do suspense consegue prender o espectador na poltrona e revelando apenas no final que ele era o maníaco homicida, mas aí torno a lembrar a fala do legista Badan Palhares, em momento algum antes do desfecho é revelado o complexo de Èdipo do personagem. Por outro lado, o mesmo Hitchcock já inverte a fórmula, tal qual em “Frenesi”, onde o psicopata vivido por Barry Foster é apresentado ao público como assassino quase que no início do filme e a partir daí surge o plot da história: até quando ele vai conseguir enganar a polícia. Em entrevista a Trufault, Hitchcock diz que a sua fórmula de fazer suspense, é apresentar o perigo para o espectador, de modo que ele na poltrona, mirando a tela, se sente impotente sem poder fazer nada para salvar a vítima. Aliás, ao meu ver, uma excelente aula de roteiro de filme de detetive desvendando um crime está em “Chinatown”, do mestre Polansky.

Confirmando o que o legista Badan Palhares disse, um grande número de livros da Agatha Christie não me convenceram o final, entre eles, A MALDIÇÃO DO ESPELHO. Já viram o filme ou leram o livro?  Elisabete Taylor faz o papel de uma grande atriz que está numa festa, eis que, se súbito, aparece uma fã pedindo-lhe autógrafo e lhe revela que não é o primeiro, da primeira vez que a atriz foi em sua cidade, ela estava de cama, de rubéola e saiu de casa para ir até ela no teatro apanhar-lhe um autógrafo e lhe dado um beijo. Porém logo a fã cai morta, em virtude de ter bebido um drink envenenado. Como este copo era para a estrela de cinema, a suspeita é que alguém desejava matá-la. Como uma outra atriz, que trabalha no mesmo filme, é sua ferrenha inimiga, tal hipótese não é descartada, mas existem outras pistas que precisam ser seguidas antes de se dar o caso como solucionado. Ao final do filme vai se descobrir que a atriz matou a fã, porque foi ela quem lhe transmitiu rubéola e com isso ela veio perder uma criança que estava esperando.

Agora surgem as questões: como  a atriz tinha certeza que pegou rubéola de uma fã, certeza tamanha que trazia consigo um frasco de veneno  para vingar-se dela quando ela voltasse a lhe aparecer? E mesmo em RATOEIRA, são tantos os suspeitos de assassinatos dentro da casa, a ponto de aparecer um detetive e fazer das suas trapalhadas, pondo todo mundo suspeito sendo que, na verdade, havia o personagem do Major Metcalf que era detetive da polícia e poderia tê-lo desmascarado.

Na primeira versão de O REBU, Bráulio Pedroso faz crer que Otto Mahler (Zienbinsky), vive uma relação de pai adotivo para com Cauê (Buza Ferraz). A festa vai se desenrolando, outros sub-plots vão surgindo, somente no meio da novela é que se descobre que o cadáver nas piscina parece ser o de um homem por estar vestido de smooking, mas não, era de uma mulher (vivida por Bete Mendes) que Otto Mahler mandou matá-la por ciúmes, ele vivia uma relação homossexual com  Cauê. No decorrer da novela também aparece um ladrão, Boneco (interpretado por Lima Duarte) que ao ser descoberto pelo anfitrião, este permitiu-o de ficar na festa. Ninguém soube o motivo, mas isto foi revelado depois, na condição dele assumir o crime. Enfim, Bráulio Pedroso deu uma rasteira na censura da época, ao mostrar o primeiro casal gay na história da novela brasileira.

Apenas finalizando, li o clássico CRIME E CASTIGO, onde logo no início ocorre um crime, sendo que o protagonista cometeu um latrocínio, segundo o código penal, por “estado de necessidade”, uma vez que este não tinha dinheiro para sobreviver. Logo no início, é interessante ver como o autor em páginas e mais páginas vai levando o leitor a crer que ao protagonista não restava outro meio como sobrevivência e a seguir começa a mostrar a sua vida depois de cometer o crime. Não vou contar o resto, leiam e tirem suas conclusões.

Mauro Alvim

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