No artigo anterior, (RE) PENSANDO O LUGAR DA CRÍTICA de TELENOVELA, chamamos atenção para o fato do produto telenovela ser um construto de representações identitárias, revestido de desejos imagéticos e que esta situação de reconhecimento se traduziria numa estratégia de comunicabilidade.
Pois bem, se perguntarmos qual é a principal base dramaturgica de uma telenovela não teríamos nenhuma dificuldade em responder que é a família. E por qual razão? Porque a família representa para a grande maioria dos telespectadores de telenovela a situação original de reconhecimento. É na organização familiar, em sua cotidianidade, que os indivíduos se reconhecem e se confrontam.
Sem esquecer os problemas sociais e políticos inerentes a instituição família (seus aspectos repressivos, a contaminação burguesa, etc.), mas focalizando o olhar sobre o aspecto de cotidianidade familiar, não temos como deixar de notar que a família é, ainda hoje, o maior espaço de consumo da telenovela brasileira.
É para essa instituição que o autor de telenovela irá criar seu discurso ficcional e, sem sermos puristas, esta relação não é unilateral, a instituição família também irá mediar o próprio discurso ficcional do autor, ou seja, ela também participará ativamente na configuração social e cultural da telenovela.
Isso não é nenhuma novidade para um autor de telenovela, mas, por mais incrível que isso possa parecer, não tenho visto ultimamente muitas críticas preocupadas com esta importante relação de proximidade entre a realidade cotidiana e o mundo ficcional da telenovela.
Uma boa crítica, preocupada em fomentar o debate em torno de um produto cultural tão importante ao nosso país (em termos econômicos sim, porque é indústria, mas também em termos de desenvolvimento social), deveria se preocupar em analisar melhor e com mais consistência a relação de interação e de comunicação que se dá entre a telenovela e o cotidiano.
Por exemplo, Martin-Barbero faz uma importante observação comparativa entre o espaço televisivo e o espaço cinematográfico: diz ele que a televisão é regida pelo eixo da proximidade e da magia de ver enquanto o cinema é dominado pela distância e pela mágica da imagem.
Enquanto no cinema a função comunicativa é a poética, na televisão, que é dominada pela magia do ver, a função comunicativa estaria no poder de síntese entre o cotidiano e a ficção. A estratégia de comunicabilidade da telenovela estaria em produzir a sensação de cotidianidade, dando forma a ele.
Quando a crítica apenas menciona os exageros de maquiagem, de iluminação ou de interpretação de um ator de telenovela, ela está na verdade fazendo uma observação empírica que qualquer telespectador de telenovela saberia fazer, este não é o papel da critica especializada.
Todo espectador de telenovela sabe quando algo não vai bem, quando um código foi interrompido, mas não sabe falar sobre sua “gramática”, este sim deveria ser o papel do crítico.
Se a proximidade é uma das bases do veículo televisão, é fundamental que haja também uma proximidade dos personagens e da situação dramática. O discurso e os personagens devem dar a impressão de uma certa familiaridade, devem produzir um efeito de proximidade, até mesmo sobre aquilo que estaria muito distante no tempo ou no espaço.
Dar forma familiar ao discurso ficcional, mesclar a ficção de uma telenovela ao mundo cotidiano, real, dar este efeito de proximidade, usando de clareza, simplicidade e economia, é o grande desafio para um autor de telenovela.
Tomando a família como a situação original de reconhecimento é fundamental que os procedimentos, os dispositivos e os sistemas dramáticos utilizados pelo autor de telenovela estejam direcionados para uma construção ficcional que dê forma a uma cotidianidade familiar, que tanto é o lugar de relações arquetípicas, primordiais, como também é o lugar das experiências ambíguas.
Martha Ribeiro é pesquisadora, roteirista e Doutoranda pela UNICAMP/IEL.
Comments