A televisão é um fenômeno que emergiu no século XX tanto quanto o cinema, mas não é uma réplica do cinema em formato reduzido. Claro que ela surgiu em função da existência anterior da chamada Sétima Arte, mas aos poucos os dois suportes começaram a se interagir e chegaram mesmo a se tornar competidores.
O relacionamento cinema/televisão lembra de uma certa forma a passagem do cinema mudo para o falado. Avanços, recuos, cineastas se tornando “teleastas”, críticas e elogios. Mas a verdade é que um veículo influiu no outro e esta interação está longe de terminar.
Nos Estados Unidos, Europa e no Brasil muitos profissionais do cinema migraram para a televisão. Outros atuam alternadamente em um e outro veículo.
Não digo que os profissionais de cinema deverão se voltar prioritariamente para a TV, mas o certo é que ela está impondo uma nova ordem à produção, linguagem e distribuição de conteúdo e aqueles que não entenderem os novos caminhos pela frente, eventualmente, poderão ter alguma dificuldade na execução dos seus trabalhos.
As escolas de cinema e televisão, percebendo a aproximação entre a criação e a logística dos dois suportes, adiantaram-se aos fatos e já há algum tempo estabeleceram em suas grades curriculares disciplinas que possibilitem uma formação conjunta.
No início, os grandes estúdios de cinema, principalmente de Hollywood, não se incomodaram de “emprestar” seus atores, roteiristas e diretores para as produções televisivas. Pensavam mesmo que o “empréstimo” nada mais seria que uma colaboração com o novo veículo e que servira de promoção para os filmes da telona.
Mas, aos poucos, a telinha começou a querer mais. Passou a exigir não só os astros do cinema, mas também os clientes, os espectadores e obrigou a toda poderosa indústria do cinema a se reestruturar para nova realidade do mercado das comunicações, passando a produzir três tipos de filmes.
Primeiramente entrou no mercado de produção de filmes para distribuição específica em televisão. A segunda mudança levou os estúdios a produzirem grandes filmes, que, por suas características, não encontrariam no sistema televisivo o local adequado para a exibição. São os chamados filmes de grande conjunto, pouco adequados para a telinha. O terceiro caminho foi a realização de filmes que contemplassem os dois suportes.
Hoje 80% dos filmes produzidos nos Estados Unidos visam a exibição também nas redes de tv ou mesmo nas emissoras independentes. A eventualidade de exibição primeiro nas salas de cinema e posteriormente na tv impõe novos detalhes, outra logística de produção, mais rapidez para abastecer o solicitante mercado.
Para evitar que a crise cinematográfica se ampliasse com a concorrência da televisão, os estúdios americanos começam a trabalhar nas super produções, nos grandes espetáculos, destinados exclusivamente à exibição nas salas de cinema convencionais. Um exemplo dessa tendência é o filme A conquista do oeste, de John Ford.
Segundo os estudiosos da linguagem cinematográfica, uma outra possibilidade de evitar a concorrência televisiva , seria realizar filmes com uma linguagem mais ritmada. Supunha-se que a televisão demandaria um andamento mais lento das imagens. Foi uma tentativa que se materializou no filme “West Side Story, de Wise.
Outras experiências na realização de filmes exclusivos para salas de cinema, com poucas possibilidades na tv, foram o Kinopanorama e o Vistavision, de Um mundo louco e Guerra e paz.
Mas, apesar das resistências, a aproximação dos dois veículos sempre foi mais efetivo do que o distanciamento. As câmeras mistas permitem a captação de imagens mecânicas e eletrônicas ao mesmo tempo. Os recursos tecnológicos de “transfer” de um suporte para outro se desenvolveram.
O relacionamento de um veículo com o outro evolui do domínio da produção para o da distribuição; o filme “La prise du pouvoir” foi lançado ao mesmo tempo nas salas de cinema e nas redes de tv. O fenômeno voltou a acontecer com “A punição”, de Jean Ruch. Jean Luc Bresson aceitou exibir seu filme “La mouchette”! na televisão dias depois da distribuição convencional.
Novas tecnologias, imperativos comerciais e o crescimento do número de espectadores em função da exibição no cinema e na tv vieram impor uma nova linguagem aos filmes de dupla distribuição, privilegiando para esse fim os filmes de caráter mais intimistas. São raros os casos de realizadores de filmes de grande conjunto que se deram bem na telinha.
O Relevo, o Cinemascope e seus derivados, Superscope e Tecniscope, o Vistavision, o Cinerama, o Kinopanorama e o 70mm são tecnologias que parecem privilegiar as salas de cinema, mas a televisão vai se desenvolvendo e oferecendo possibilidades para esse tipo de produção.
Os progressos tecnológicos impõem algumas perguntas: Qual o interesse destas grandes telas que surgiram para se contrapor à telinha? Seria a multiplicação dos efeitos especiais? Maior integração do espectador à ação? Mais realismo?
A dimensão não é um critério de beleza pura. Uma miniatura pode ser mais bela que um grande quadro, uma valsa de Chopin mais bela que uma ópera. Estaria o futuro do cinema unicamente no gigantismo? A televisão também já está chegando às grandes telas.
Mas podemos esperar que o cinema convencional não desaparecerá de vez, pois da mesma forma que o amante da boa música vai ao concerto, o do cinema irá ver seus filmes no local que lhe é apropriado.
Parece-me sim, que o diferencial estÁ na relação público/obra. A viagem que se faz ao assistir um filme na sala de cinema é diferente daquela que se realiza ao ver o mesmo filme numa sala residencial. Compreender isso é fundamental para que os realizadores continuem seus trabalhos no veículo que melhor convier ao seu conteúdo.
Nesta relação dialética – cinema/televisão – surgem alguns elementos distintivos na apresentação de conteúdos ficcionais para um ou outro suporte. Mas cabe aqui uma ressalva: Não se trata de regras gerais para realização. São apenas constataçÕes a partir da observação de produtos acabados e exibidos no telão e na telinha.
Tais elementos distintivos se materializam primeiramente ao nível da linguagem. A tv parece mais à vontade com o uso de planos fechados e tem alguma dificuldade com os planos gerais, que por sua vez têm melhor recepção na tela de cinema.
Uma segunda distinção que se pode observar é ao nível de estilo ficcional. A televisão parece nos oferecer diÁlogos mais realistas, mais espontâneos, enquanto o diÁlogo cinematogrÁfico nos indica mais elaboração, privilegiando a ação visual. A duração de uma cena na TV é o tempo dos diÁlogos, no cinema a cena dura enquanto ela tiver energia, transcendendo ao período dos diÁlogos.
Mas repito, não são regras, são apenas indicaçÕes a serem observadas ou mesmo transgredidas por quem que se dedica ao ofício de realizar para um e/ou outro veículo.
No Brasil especificamente, a relação entre os meios em questão caminha um pouco ao sabor das tentativas. A rede Globo, por exemplo, ora “importa” filmes do cinema Nacional, ora adapta as suas séries de sucesso na telinha para as salas convencionais de filme. As demais emissoras não têm uma política definida a respeito.
O próximo “round” desta luta de amor e ódio em nosso país estÁ prestes a começar e o gongo baterÁ com a implantação da TV digital.
Comentarios