Seguir a arte de Martins Pena, Ariano Suassuna, João Bithencourt, Marcos Caruso, ou seja, fazer uma dramaturgia voltada para o riso, não é das tarefas mais fáceis.
Dizem que a comédia no Brasil é dos gêneros teatrais que mais chama público, uma vez que o povo está farto de tanto desgosto no dia a dia nesses tempos difíceis, mera balela.
O espetáculo da comédia faz sucesso porque somos um povo alegre por natureza e, como disse certa vez o cineasta Franco Zeferelli num carnaval: Brasil é o último país alegre do mundo.
Dizer que somos um povo mal governado e que isso aqui é um terceiro mundo dos piores, é mero chavão. Como se injustiças sociais e falcatruas dos poderosos não ocorressem nos demais países no exterior.
O humor não é nada mais e nada menos do que o outro lado do espelho do drama, é a quebra do lado sério da vida, o inusitado. De um modo geral, em quase toda situação de humor vamos encontrar um lado maléfico para algum dos protagonistas.
Certa vez fui testemunha de um fato e, quando conto o que vi para dos demais, não há quem não dê uma boa risada. Às vezes, também pela minha forma de contar, fator que também influencia bastante no ator, comediante ou contador para provocar risos.
O fato em questão aconteceu num velório, onde passei a noite com a minha família velando um tio (ou bebendo o defunto, como se diz no interior).
Na capela velório ao lado ocorria outro, dentre pessoas de classe humilde, vindas do interior e, lá pelas tantas, depois que o pessoal havia tomado todas, um deles foi passar uma cantada na viúva, dizendo-lhe: Daí não era homem pra você não! Agora tu vai voltar a ser minha, igual nos tempos de jovem, lembra?”
O certo é que a família do defunto se revoltou e provocou uma confusão num ambiente que deve ser de respeito e seriedade. Foi um tremendo baixo astral mas, como bem diz o título de uma peça teatral que acabou se tornando adágio popular: “Seria cômico se não fosse trágico.”
Quando alguém conta uma piada, na verdade está contando uma história que se desvirtuou totalmente do cotidiano, do normal que estamos acostumados a conviver.
Os humoristas do grupo CASSETA PLANETA costumam reclamar que seus maiores concorrentes são os políticos de Brasília e o verdadeiro humor aparece quando estes tentam justificar suas falcatruas, como certo deputado acusado de corrupção e enriquecimento ilícito disse, certa vez, ter tido a graça de Deus de ganhar cinco vezes na mega-sena.
Sua justificativa é cômica, inconcebível que um homem venha a ter tamanha sorte, mas trágico ao pensar que nossos impostos estão sendo facilmente açambarcados por desonestos, quando deveriam estar sendo utilizados em benfeitorias para o povo.
Antes de analisarmos uma piada, vamos ver a situação contada de ma maneira incômoda para os olhares de uma beata. Imagine o que seria para uma carola, dentro da igreja, antes da missa matinal, onde o padre estivesse ministrando o sacramento da confissão e um bêbado entrasse na igreja para hostilizar a todos. Contando a situação na forma em que eu via o humorista Costinha contar, em forma de piada, era algo assim:
Estava o padre lá dentro do confessionário, dando a confissão antes da missa. No que entrou um bêbado na igreja e começou a grita: “Eh, pessoal! Vamos prá uma festa? Tou indo e quero levar vocês, vai ter cachaça, mulher pra cacete, vai ter cachaça, vai ter torresmo, negócio lá vai ser bom e quem não for vai perder!”
Assustado, o padre colocou a cabeça para fora do confessionário para ver o que estava acontecendo, ao que o bêbado lhe disse: “E você que tá cagando aí, também tá convidado. Mas ver se desimpede logo pois a fila tá grande!”
Ao analisarmos o teor da piada vamos levar em consideração duas coisas, o protagonista e o ambiente.
Na piada citada, o protagonista é um bêbado, indivíduo que por si só já é motivo de graça por estar sempre fora da realidade, não tem consciência dos seus atos, não faz distinção alguma do certo ou do errado.
O protagonista é justamente o núcleo do humor, e é exatamente o maior desafio dos humoristas. E justamente através do seu perfil psicológico que iremos extrair a essência do riso.
Basta pegar as contradições que um determinado tipo pode confrontar com a vida cotidiana para que o humor venha a fluir normalmente.
É justamente a partir daí que os redatores de humor retiram a essência para provocar risos no espectador, tal qual se pode ver em programas como A PRAÇA É NOSSO ou no extinto ESCOLINHA DO PROFESSOR RAIMUNDO.
Vejamos os outros tipos mais comuns que aparecem nas piadas do cotidiano e o ponto fraco da sua personalidade que destoa do cotidiano e faz rir:
CAIPIRA
O seu jeito humilde e ingênuo de encarar uma realidade bem distante do meio rural onde vive mas, por outras vezes, a sua ingenuidade é apenas uma aparência, no fundo tem sempre um jeitinho pra tudo, inclusive para se livrar da sagacidade do homem urbano. De um modo geral o caipira é sempre visto na pele de um mineiro ou nordestino.
PADRE
Exatamente por serem adeptos de uma filosofia moralista e contrária aos prazeres da humanidade, estes costumam ser vistos como ingênuos ou vítima de tentações, contrário ao que pregam. Entretanto, pelas notícias que temos hoje em dia, a própria igreja o quando os padres andam tão pra frente que até piadas deles já perderam a graça.
PAPAGAIO Exatamente por ser uma ave canora, capaz de falar como os humanos, mas não tem nenhum compromisso de ética com as pessoas que o cercam. Na verdade não fala outra coisa a não ser repetir o que escuta mas, na imaginação dos piadistas, ele raciocina e fala o que não deve, o que as vezes ninguém quer ouvir.
POLÍTICO
Assim como o advogado, é aquele tipo visto como o adepto da filosofia “Venha a nós, ao vosso reino nada.” Astuto para ludibriar as pessoas e obter vantagens ilícitas para si.
PORTUGUÊS
Atualmente não tanto quanto no passado. Mas, no período da colonização, muitos dos galegos que vieram tentar a vida aqui, eram pessoas humildes e de pouca instrução e que estavam sempre cometendo trapalhadas.
Entretanto, a maior prova de inteligência do português é ter ludibriado o mundo que havia descoberto o Brasil quando, na verdade, antes do ano de 1500 a coroa portuguesa já sabia muito bem que haviam terras abaixo da linha do equador e deram a missão a um nobre.
SOGRA
Comumente aparece nas tiradas de humor como o símbolo da opressão, da tirania, o retrato da rabugice que destoa de uma sociedade que quer viver em paz.
Citei apenas alguns tipos mas, um bom exercício para quem pretende escrever comédia é exatamente pensar em um tipo e a partir dali observar e anotar o seu lado humorístico.
O ator Mário Lago chegou a dizer certa vez que o papel mais difícil de interpretar é justamente o do cidadão comum, pois lhe falta exatamente aquele ponto chave para que venha se basear e construir o seu papel.
Conforme disse acima, o ambiente onde se desenrola a ação é também um fator preponderante para se extrair o humor da situação.
Na piada do Costinha que transcrevi, o humor começa a partir do momento em que um bêbado entra num local onde se exige o máximo respeito, todas as pessoas que ali estão é com o objetivo de orar e se dedicar à sua religião.
A piada não teria mesma graça se acontecesse dentro de um bar (onde é bastante natural encontrar uma pessoa embriagada) e, ao invés de padre e confessionário, ele dirigisse sua última fala para o gerente do estabelecimento que estivesse dentro do seu caixa a receber dinheiro dos fregueses.
Um dos primeiros dramaturgos brasileiros a explorar os tipos brasileiros e fazer uma verdadeira caricatura do cotidiano foi Martins Pena.
Desde O juiz de paz da roça, até A barriga de meu tio, escreveu aproximadamente 30 peças. O caráter geral de todas as suas peças é o da comédia de costumes. Dotado de singular veia cômica, escreveu comédias e farsas que encontraram, na metade do século XIX, um ambiente receptivo que favoreceu a sua popularidade.
Envolvem sobretudo a gente da roça e do povo comum das cidades. Sua galeria de tipos, constituindo um retrato realista do Brasil na época, compreende: funcionários, meirinhos, juízes, malandros, matutos, estrangeiros, falsos cultos, profissionais da intriga social, em torno de casos de família, casamentos, heranças, dotes, dívidas, festas da roça e das cidades.
Foi, assim, Martins Pena, quem imprimiu ao teatro brasileiro o cunho nacional, apontando os rumos e a tradição a serem explorados pelos teatrólogos que se seguiriam. A sua arte cênica ainda hoje é representada com êxito.
Um redator ou comediógrafo deverá estar atento para o público que ele visa atingir. Uma comédia pelo simples fato de ser comédia não vai fazer o público em geral rir.
Um filme de Woody Alen não vai arrancar gargalhadas do público do saudoso Mazaropi e tampouco vice-versa. Nestes anos todos de dramaturgia, chego a notar que, dentre o povo, quanto maior a classe social, parece que mais vergonha o povo tem de rir e soltar a gargalhada do fundo da alma.
Comecei a observar essa situação há uns bons anos atrás, quando fui assistir um filme brasileiro chamado “Os Mansos”, onde tem a célebre cena do ator Teobaldo que foi convidado pela sua secretária a comemorar o aniversário na sua casa.
Ele foi, achando que ia ter uma noite a dois ótima. Ao chegar, ela pede-o para esperar um pouco pois vai lhe fazer uma surpresa. Imaginando que teria uma tremenda noite a dois ao lado daquele mulherão, fica inteiramente nu e espera que ela o chame.
Eis que, para sua surpresa, ela apaga a luz e ao acender novamente, ali estava toda a família do patrão com um bolo a cantar-lhe “Parabéns prá você…”
Mais do que as gags do filme, adorei este pelas gargalhadas do público de um cinema de bairro, cuja freqüência era de pessoas de baixa renda. Quis assistir o filme outra vez, só que, nesta segunda optei em ir num cinema com um público mais elitizado e observei que as gargalhadas do público não eram lá tão espontâneas como as do outro cinema.
Entretanto, foi a partir desta experiência, em ouvir as sonoras gargalhadas do povo, que me acendeu o gosto para ser um autor de comédia. Escutar o riso da platéia é a resposta mais imediata e mais gratificante para o trabalho de um autor que não há ouro no mundo que pague.
Por tudo dito acima, espero poder ter mostrado ao leitor que existe possibilidade para se fazer comédia e piada para tudo, até para a coincidência. Aliás, você conhece a piada da coincidência? Tenho certeza que não, pois eu também não conheço. Que coincidência, hein?
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